terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Em psiquiatria, é seguro usar o humor com pacientes?

Alguma coisa mudou, desde que os tratamentos começaram?", pergunto ao paciente – ele deitado em uma maca na UTI. O anestesiologista coloca uma linha IV em seu braço e checa seus sinais vitais. Meu chefe psiquiatra ajusta a máquina que fornece os estímulos eletrônicos. Sou residente de psiquiatria, e essa é minha prática de terapia eletroconvulsiva. Estou aqui para observar e aprender.

"Meu celular sempre tem bateria cheia", responde o paciente, sem muita emoção.

Se ele fosse um amigo ou colega, com certeza eu iria rir. Mas ele é um paciente que eu mal conheço. O paciente tem transtorno bipolar, uma tentativa anterior de suicídio e um histórico de comportamento bizarro e impulsivo. Nesse contexto, a piadinha dele parece inapropriada.

Fico desconsertado. Tudo bem se eu rir? -- me pergunto. Como médico residente, com anos de experiência em ser inexperiente, olho rapidamente em volta para analisar o cenário.

A assistente de enfermagem ri e o anestesiologista dá uma grande risada. O chefe psiquiatra permanece de cara fechada e diz: "Podemos ver que ele está melhorando". Quando o anestesiologista injeta um sedativo, um telefone toca. Todos têm as mãos ocupadas; o telefone continua tocando. Antes de o paciente "apagar", ele me olha e diz: "Será que você pode atender? Deve ser o governador telefonando para adiar minha execução".

Um momento depois, ele dorme. O chefe psiquiatra me passa os condutores e eu me sinto levemente desconfortável quando os coloco na cabeça do paciente. As enfermeiras ainda riem enquanto ele começa a entrar em convulsão.

Quando eu era residente no serviço, geralmente brincava com meus pacientes. É assim que eu me relaciono com eles naturalmente, e brincar com cuidado com um paciente amedrontado é uma forma poderosa de gerar sintonia.

Mas quando e deixei os andares de medicina interna para trabalhar na psiquiatria, o humor foi embora. Seguindo conselhos dos médicos chefes, tentei ser mais concreto e direto com pacientes psicóticos, mais empático com pacientes depressivos e mais autoritário em uma sala de emergência movimentada. Desde a adolescência que eu não passo tanto tempo me preocupando com como vou me comportar.

Eu tinha uma idéia vaga de que levar um paciente a rir poderia ser terapêutico. Mas quando é seguro – e útil – brincar com um paciente psiquiátrico? Pelo menos no hospital, os pacientes pareciam ter problemas o bastante em se relacionar comigo sem ter que decodificar a sutileza do humor. Parecia arriscado demais, pronto para gerar desentendimento.

Ainda assim, havia pacientes que insistiam em fazer piadinhas comigo.
Como líder de uma reunião comunitária, pedi aos pacientes e aos membros da equipe do hospital para se apresentarem e dizerem algo sobre si. "Sou uma estagiária de assistente social!", disse alegremente um membro da equipe, seguida de um paciente, que declarou: "Sou um paciente de transtorno bipolar crônico".

Não era isso que eu tinha em mente. Eu imaginei algum tipo de detalhe biográfico, não um recital de títulos e diagnósticos. Fui ficando incomodado quando os pacientes começaram a descrever sua patologia pessoal para o grupo.

Quando comecei a me sentir desconfortável com a situação, um dos pacientes percebeu a tensão. "Sou estudante de enfermagem", ele disse, com ar de autoridade. O próximo paciente, que tinha problemas em lidar com outras pessoas, disse: "Sou o gerente de enfermagem".

Todo o grupo, incluindo eu, caiu na risada. Aquele momento contrastava enormemente com a atmosfera sóbria típica daquela unidade. Não foi a primeira vez que me perguntei se seria apropriado aliviar o tom e começar uma piada.

No final da minha residência, tive a resposta. Eu estava de plantão à 1h da manhã de uma quinta-feira, dando entrada no meu último paciente da noite. Era uma mulher na casa dos 60 anos, trazida pela polícia por comportamento perturbador no prédio dela. Após dar entrada contra sua vontade, ela se escondeu no quarto e se recusou a falar com as enfermeiras.

Quando tentei conversar com ela, a paciente enfiou a cabeça debaixo do travesseiro, exclamando: "Rejeito qualquer assistência psiquiátrica!" Mas por trás daquela recusa, percebi um tom brincalhão na voz dela.
"Tudo bem", eu disse. "Somos bons em cuidar de pessoas que negam assistência psiquiátrica".

Ela riu um pouco.

"A senhora pode me dizer como chegou aqui?". Nenhuma resposta.

Talvez eu devesse tentar algo mais concreto. Considerando a idade da paciente e a história que o residente mais experiente da emergência me contou, percebi que ela poderia ter deficiência cognitiva. "Quem está concorrendo à presidência?", perguntei.

Então tive uma resposta. Três pessoas, ela respondeu, usando um epíteto que não posso repetir aqui.
Quem são eles? Revidei, usando o mesmo epíteto.

"Clinton, Obama e McCain", disse ela, olhando para mim.

"OK, então o que uma pessoa tão boa quanto a senhora faz em um lugar como esse?", perguntei.

De repente, eu havia rompido a barreira. Ela começou a me contar sobre seus delírios paranóicos com o dono do imóvel onde mora e com os vizinhos. Eu me sentei e comecei a escrever.

"Conte mais", pedi.

*Benjamin Brody é médico residente do departamento de Weill Cornell de psiquiatria do New York-Presbyterian Hospital.

Benjamin Brody - 'New York Times'
http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,MUL868179-5603,00-EM+PSIQUIATRIA+E+SEGURO+USAR+O+HUMOR+COM+PACIENTES.html

2 comentários:

  1. Olá! Muito bom o texto, realmente sempre me pergunto até onde devemos utilizar o humor. Eu mesma certa vez trabalhando em Home Care com uma paciente esquizofrênica passei por situação difícil, em um instante estávamos brincando, rindo e conversando... No outro a mesma modificou completamente o humor, me questionando do que eu estava rindo, se estaria rindo da cara dela... é bem complicado conquistar esse espaço com o paciente e saber o limite que temos de ter. Parabéns pelo texto deixa bem claro que nada mais justo do que estabelecer uma confiança entre profissional e paciente.

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  2. Obrigada pelo comentário, Leticia. O mais importante para utilizar o humor na relação com o paciente é antes de tudo, ter um bom vínculo.

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