Ao lançar o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas, o Governo sinaliza que tem a mesma percepção.
A iniciativa merece apoio e, dentro do espírito colaborativo que sempre marcou as ações da ABP, é fundamental o posicionamento dos psiquiatras em relação às políticas públicas de tratamento de dependentes químicos:
- Embora o crack seja, reconhecidamente, a droga mais danosa para a sociedade brasileira, seu combate e tratamento não podem estar dissociados das demais drogas, inclusive daquelas consideradas lícitas - o álcool e o tabaco. Trata-se de um problema único e a relação entre as substâncias, sobretudo na prevenção, deve ser considerada para a construção das políticas públicas.
- O tratamento para dependentes químicos é complexo e necessita prioritariamente de assistência médica. As iniciativas devem se orientar pelos conhecimentos técnicos e pelas evidências científicas que apontam para uma rede de atendimento integrada, balanceada e hierarquizada para atender aos pacientes. É necessário oferecer um sistema com unidades básicas de saúde e ambulatórios, hospitais-dia e especializados, CAPs, comunidades terapêuticas, entre outras estruturas (ferramentas), que prestem atendimento de acordo com a gravidade do quadro clínico, monitore o paciente e faça a transferência para outros níveis de atendimento de acordo com as necessidades e a evolução do caso.
- As evidências já demonstraram que unidades psiquiátricas em hospitais gerais não são eficientes para o tratamento de dependência em crack.
- A ABP se opõe a qualquer ação classificada como de “redução de danos”, no caso do crack. A experiência demonstra que os resultados são negativos.
- É necessário avaliar que grande parte dos dependentes em crack são menores de idade e as iniciativas devem estar de acordo com o Estatuto do Menor e do Adolescente. Especialmente para esse público, também é fundamental a oferta de educação em período integral, alternativas de lazer, esporte, cultura e empregos.
- As ações preventivas devem atingir pessoas que ainda não são dependentes. Por isso a necessidade de médicos, especialmente psiquiatras, e de um serviço social que atuem nas escolas e serviços de saúde para a realização de diagnósticos precoces.
- É preciso criar uma estrutura de apoio para as famílias, que são afetadas pelo problema na mesma proporção que os pacientes.
- Os CAPs são instrumentos úteis dentro de uma rede de atendimento, mas as políticas para a intervenção não devem ser apoiadas exclusivamente nesta ferramenta. Os CAPs não têm recursos técnicos para atender às diversas formas de manifestação dos transtornos mentais e da dependência química. Além disso, está claro que grande parte das unidades em atividade não funciona adequadamente, inclusive, em alguns casos, sem a presença de médicos.
Em março de 2010, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) apresentou uma “Avaliação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) do Estado de São Paulo”. Coordenado pelo Dr. Mauro Gomes Aranha de Lima, o Departamento de Fiscalização do Cremesp avaliou as condições de funcionamento de 85 dos 230 centros em atividade no estado. Abaixo alguns dos principais resultados:
• 42% dos CAPS não contavam com retaguarda para internação psiquiátrica e 31,3% não tinham retaguarda para emergências psiquiátricas;
• 66,7% não disponibilizam atendimento médico clínico na unidade e 25,3% não tinham retaguarda para emergências médicas clínicas;
• 30% dos CAPS III (de maior complexidade) não acataram a legislação no que se refere à “atenção contínua durante 24 horas diariamente, incluindo feriados e finais de semana”;
• 20% dos prontuários médicos apresentaram pelo menos uma falha no registro de dados;
• 27,4% dos CAPS não mantinham articulação com recursos comunitários para a reintegração profissional dos pacientes.
- Por fim, é fundamental investir em formação. Infelizmente o Brasil não conta com um número suficiente de psiquiatras e outros profissionais especializados em saúde mental para enfrentar a situação. Essa iniciativa deve prever também um plano de carreira para médicos da rede pública que ofereça melhores condições de trabalho e de remuneração, além de melhor distribuição dos profissionais no território nacional.
A Associação Brasileira de Psiquiatria coloca-se à disposição para colaborar com os esforços do Governo nessa enorme batalha, que é permanente e deve ser de toda a sociedade.
Natalia Kfouri
http://www.segs.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=10411:plano-integrado-de-enfrentamento-ao-crack-e-outras-drogas&catid=47:cat-saude&Itemid=328
Um espaço para trocarmos experiências sobre a Enfermagem Psiquiátrica e a Saúde Mental no Brasil
quinta-feira, 27 de maio de 2010
Crianças dependentes de crack lutam por internação
No Rio Grande do Sul, onde cerca de 200 mil gaúchos são usuários de crack e não existem estimativas sobre quantos destes têm menos de 12 anos, o único local que disponibiliza, pelo Sus, uma ala para tratar crianças viciadas na pedra é o Hospital Psiquiátrico São Pedro (HPSP). Mas são apenas dez leitos. Conseguir um deles é uma difícil loteria, que depende, muitas vezes, da Justiça. Em Montenegro, um retiro que mantém uma unidade para pré-adolescentes e adolescentes já recebeu um menino de dez anos, após um apelo da própria mãe do garoto.
Infância destruída: atendimento de crianças viciadas em crack
Hoje, na segunda matéria sobre a geração de zumbis que está se formando devido ao crack, o Diário Gaúcho mostra como estes dois locais trabalham para tentar livrar os pequenos usuários da pedra maldita.
Metade dos leitos para craqueiros
O corredor de paredes brancas, com desenhos a tinta guache, lembra uma escola. A sala de convivência, com cortinas coloridas e brinquedos, um quarto infantil.
A decoração é parte da tentativa do HPSP de alegrar a sombria vida dos pequenos. O São Pedro mantém o Centro Integrado de Atenção Psicossocial (Ciaps) Infantil. No local, que atende a internos entre cinco e 11 anos, pelo menos 50% dos dez leitos são ocupados por vítimas da pedra.
– O número de crianças envolvidas por esta droga vem aumentando nos últimos cinco anos. A maioria tem pais usuários de drogas ou ausentes – constata o psiquiatra Ronaldo Rosa.
Sob os cuidados de enfermeiros e médicos, chamados de tios, as crianças têm atividades como musicoterapia e educação física. O dia mais esperado é a quarta-feira, com um projeto da Ufrgs que oferece aulas de Informática. Há até um blog (http:\\oficinandoemrede.blogspot.com).
No total, o tratamento no HPSP dura três semanas:
– O tempo é curto, mas tentamos descobrir quais são os problemas destes internos.
A Secretaria Estadual da Saúde informou que conta com 617 leitos no Estado para tratamento de drogados. Mas não especifica quantos são para crianças.
"Quero ter uma vida nova"
Aos 15 anos, uma garota do Interior paulista passou pela segunda vez no HPSP. Usuária de drogas desde os dez, ela engravidou aos 12 e doou o bebê para seguir no crack. Percorreu o Brasil na carona de caminhoneiros. Para ter a droga, se prostituía. Agora, está grávida pela segunda vez e voltou para São Paulo, após 15 dias no São Pedro:
– Meu organismo está limpo. Não vou trocar o meu filho novamente pelo crack. Quero ter uma vida nova.
Números
A unidade de desintoxicação para adultos tem 30 leitos, todos usados por craqueiros. A unidade de adolescentes tem dez leitos, em média, 90% são para viciados na pedra. A ala infantil tem DEZ LEITOS, em média, 50% são para dependentes de crack
Olhar distante
Dois dias após ser internado no São Pedro, o menino de dez anos, cuja história foi publicada ontem, queria se enturmar. De pouca conversa, mais gesticulava do que falava com um garoto da mesma idade – também usuário de crack – enquanto brincavam. Cabisbaixo, não quis conversa com a enfermeira. Manteve-se calado, e distante.
Na sala de informática, esboçou o primeiro sorriso. Orientado pelos instrutores, preferiu brincar nos jogos.
– Ele chegou arredio, como todos. Mas está voltando a ser criança – afirmou a técnica em Enfermagem Fernanda Veçossi.
"Eles só querem carinho e atenção"
Há três anos lidando diretamente com os internos do HPSP, Fernanda já conhece as técnicas usadas pelos pequenos viciados.
– Os meninos chegam demonstrando malandragem e gostam de afirmar que não precisam de ajuda. Mas bastam as primeiras conversas para que eles voltem a ser apenas crianças – conta.
Fernanda costuma ouvir histórias de abandono, de famílias desgarradas e de agressões:
– Aqui eles têm comida, alguém para ouvi-los e uma rotina que não existe lá fora. Eles só querem carinho e atenção. Afinal, são apenas crianças.
Crack domina no Recreo
Trabalhando há duas décadas na recuperação de dependentes, Otávio dos Santos Furtado mantém três unidades do Retiro Comunitário de Reabilitação Ocupacional (Recreo), em Montenegro. A dos adolescentes surgiu a partir do crescimento da procura por internação para usuários a partir dos 12 anos.
Porém, Otávio alerta para outra mudança: o aumento da procura por vagas para crianças.
– Na primeira vez que veio um menino de dez anos, precisei colocá-lo com as mulheres. Eu não tinha experiência, mas não podia negar o atendimento – diz Otávio.
Hoje, os 18 internos da unidade jovem são dependentes de crack – o mais novo tem 12 anos. A maioria conheceu a pedra antes de entrar na puberdade. A internação dura nove meses.
– O tratamento das crianças é diferente. É preciso dar amor, carinho e educação. Não termina em nove meses. A sociedade não se deu conta de que, com uma criança, precisa ser diferente – avisa Otávio.
- Por que isso está acontecendo?
- Entender como crianças que mal sabem ler ou escrever já estão viciadas é o desafio. Famílias desestruturadas, mães e pais também dependentes. Esse é o exemplo que eles têm em casa – aponta a conselheira tutelar da Capital Salete Alminhana.
Para a também conselheira Eliane Aliano, de Viamão, em geral, nesses casos, o primeiro contato com a droga acontece em casa:
– Uma vez presenciei uma cena de um menino que sangrava há dois dias. Em vez de levá-lo ao médico, a família dava pedras para ele fumar.
Outra conselheira ressalta que, com o avanço do crack, o trabalho deles ficou mais perigoso:
– A gente entra na vila para buscar um cliente ou um soldadinho do tráfico – conta, sem revelar o nome por medo.
"Fiquei doido"
O corpo franzino lembra o de um menino de oito anos, mas o morador do Litoral Norte tem 12, um vocabulário repleto de gírias e a experiência de vida de um adulto. Há dois anos, ao ver a mãe consumir drogas após a morte de outro filho, o garoto decidiu “curtir”, como ele define:
– Pensava comigo que se a minha mãe estava nas drogas, também poderia curtir uma vida mais desnaturada.
Ele demora a dizer que já usou crack, mas acaba confessando a primeira vez:
– A mãe esqueceu uma pedra. Então, experimentei. Fiquei doido.
Na visita mais recente à família, o menino convenceu a mãe a se internar. Hoje, ambos estão na Recreo. Porém, o menino deve sair nos próximos dias:
– Não sei se não vou usar de novo. Vou ver.
"Aprendi o que é sentimento”
Aos nove anos, um dos internos do Recreo conheceu a maconha. Aos 11 anos, serviu como mula para levar 1,5kg da droga de uma cidade a outra. No mesmo ano, descobriu o crack. Filho de pai alcoólatra, ele levou a família a mudar de cidade na tentativa de livrá-lo das drogas. Foi em vão. Em poucos dias, voltou a usar e roubava para sustentar o vício. Hoje, aos 15 anos, o garoto lembra que parou de estudar aos dez anos.
– Uma vez, fumei crack e tentei ver televisão. Não deu certo. Eu olhava e não entendia nada de tão doidão que eu estava.
Falta de serviço especializado
A principal reclamação de quem lida com as crianças é a ineficácia do tratamento. Depois dos 20 dias no hospital, a criança volta para casa e, quase sempre, para o vício.
– Em um dos casos que eu atendo, o menino foi internado três vezes em dois meses – diz Salete.
Segundo a promotora da Infância e Juventude da Capital Noara Lisboa, outra dificuldade aparece após a alta. O ideal seria a criação de Centros de Atenção Psicossocial Infantil.
– O único que temos não atende a viciados. A criação de unidades assim e que prestem atendimento à família é essencial – comenta Noara.
A consequência dessa falta de sequência é avassaladora. Sem acompanhamento, a chance das crianças recaírem é imensa.
– Sem falar no aumento do número de crimes, na superlotação dos abrigos, na evasão escolar, entre outros problemas – enumera a promotora da Infância e Juventude de Viamão, Daniela da Silva.
A exceção virou regra
Para o chefe do Serviço de Psiquiatria do HPSP, Alceu Correia Filho, mandar o paciente para casa, na chamada internação domiciliar, é uma medida paliativa.
– O tratamento em casa é feito com medicamentos para controlar a impulsividade causada pela fissura – conta.
Segundo o psiquiatra, o médico deve observar se a família tem como manter a criança em casa durante o período e vigiá-la 24 horas por dia.
– O que era para ser a exceção acaba virando regra, pois não temos leitos para todos.
A campanha Crack, Nem Pensar luta pela prevenção e escolheu 20 projetos que atuam com este foco.
Saiba como ajudar:
- Em www.portalsocial.org.br, escolha um dos projetos, selecione o valor e clique em “doar agora”.
- Preencha seu cadastro ou emita boleto bancário para fazer a doação.
- Mais informações: www.cracknempensar.com.br
Aline Custódio e Carolina Rocha - DIÁRIO GAÚCHO
http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default.jsp?uf=1&local=1§ion=Geral&newsID=a2917516.xml
Infância destruída: atendimento de crianças viciadas em crack
Hoje, na segunda matéria sobre a geração de zumbis que está se formando devido ao crack, o Diário Gaúcho mostra como estes dois locais trabalham para tentar livrar os pequenos usuários da pedra maldita.
Metade dos leitos para craqueiros
O corredor de paredes brancas, com desenhos a tinta guache, lembra uma escola. A sala de convivência, com cortinas coloridas e brinquedos, um quarto infantil.
A decoração é parte da tentativa do HPSP de alegrar a sombria vida dos pequenos. O São Pedro mantém o Centro Integrado de Atenção Psicossocial (Ciaps) Infantil. No local, que atende a internos entre cinco e 11 anos, pelo menos 50% dos dez leitos são ocupados por vítimas da pedra.
– O número de crianças envolvidas por esta droga vem aumentando nos últimos cinco anos. A maioria tem pais usuários de drogas ou ausentes – constata o psiquiatra Ronaldo Rosa.
Sob os cuidados de enfermeiros e médicos, chamados de tios, as crianças têm atividades como musicoterapia e educação física. O dia mais esperado é a quarta-feira, com um projeto da Ufrgs que oferece aulas de Informática. Há até um blog (http:\\oficinandoemrede.blogspot.com).
No total, o tratamento no HPSP dura três semanas:
– O tempo é curto, mas tentamos descobrir quais são os problemas destes internos.
A Secretaria Estadual da Saúde informou que conta com 617 leitos no Estado para tratamento de drogados. Mas não especifica quantos são para crianças.
"Quero ter uma vida nova"
Aos 15 anos, uma garota do Interior paulista passou pela segunda vez no HPSP. Usuária de drogas desde os dez, ela engravidou aos 12 e doou o bebê para seguir no crack. Percorreu o Brasil na carona de caminhoneiros. Para ter a droga, se prostituía. Agora, está grávida pela segunda vez e voltou para São Paulo, após 15 dias no São Pedro:
– Meu organismo está limpo. Não vou trocar o meu filho novamente pelo crack. Quero ter uma vida nova.
Números
A unidade de desintoxicação para adultos tem 30 leitos, todos usados por craqueiros. A unidade de adolescentes tem dez leitos, em média, 90% são para viciados na pedra. A ala infantil tem DEZ LEITOS, em média, 50% são para dependentes de crack
Olhar distante
Dois dias após ser internado no São Pedro, o menino de dez anos, cuja história foi publicada ontem, queria se enturmar. De pouca conversa, mais gesticulava do que falava com um garoto da mesma idade – também usuário de crack – enquanto brincavam. Cabisbaixo, não quis conversa com a enfermeira. Manteve-se calado, e distante.
Na sala de informática, esboçou o primeiro sorriso. Orientado pelos instrutores, preferiu brincar nos jogos.
– Ele chegou arredio, como todos. Mas está voltando a ser criança – afirmou a técnica em Enfermagem Fernanda Veçossi.
"Eles só querem carinho e atenção"
Há três anos lidando diretamente com os internos do HPSP, Fernanda já conhece as técnicas usadas pelos pequenos viciados.
– Os meninos chegam demonstrando malandragem e gostam de afirmar que não precisam de ajuda. Mas bastam as primeiras conversas para que eles voltem a ser apenas crianças – conta.
Fernanda costuma ouvir histórias de abandono, de famílias desgarradas e de agressões:
– Aqui eles têm comida, alguém para ouvi-los e uma rotina que não existe lá fora. Eles só querem carinho e atenção. Afinal, são apenas crianças.
Crack domina no Recreo
Trabalhando há duas décadas na recuperação de dependentes, Otávio dos Santos Furtado mantém três unidades do Retiro Comunitário de Reabilitação Ocupacional (Recreo), em Montenegro. A dos adolescentes surgiu a partir do crescimento da procura por internação para usuários a partir dos 12 anos.
Porém, Otávio alerta para outra mudança: o aumento da procura por vagas para crianças.
– Na primeira vez que veio um menino de dez anos, precisei colocá-lo com as mulheres. Eu não tinha experiência, mas não podia negar o atendimento – diz Otávio.
Hoje, os 18 internos da unidade jovem são dependentes de crack – o mais novo tem 12 anos. A maioria conheceu a pedra antes de entrar na puberdade. A internação dura nove meses.
– O tratamento das crianças é diferente. É preciso dar amor, carinho e educação. Não termina em nove meses. A sociedade não se deu conta de que, com uma criança, precisa ser diferente – avisa Otávio.
- Por que isso está acontecendo?
- Entender como crianças que mal sabem ler ou escrever já estão viciadas é o desafio. Famílias desestruturadas, mães e pais também dependentes. Esse é o exemplo que eles têm em casa – aponta a conselheira tutelar da Capital Salete Alminhana.
Para a também conselheira Eliane Aliano, de Viamão, em geral, nesses casos, o primeiro contato com a droga acontece em casa:
– Uma vez presenciei uma cena de um menino que sangrava há dois dias. Em vez de levá-lo ao médico, a família dava pedras para ele fumar.
Outra conselheira ressalta que, com o avanço do crack, o trabalho deles ficou mais perigoso:
– A gente entra na vila para buscar um cliente ou um soldadinho do tráfico – conta, sem revelar o nome por medo.
"Fiquei doido"
O corpo franzino lembra o de um menino de oito anos, mas o morador do Litoral Norte tem 12, um vocabulário repleto de gírias e a experiência de vida de um adulto. Há dois anos, ao ver a mãe consumir drogas após a morte de outro filho, o garoto decidiu “curtir”, como ele define:
– Pensava comigo que se a minha mãe estava nas drogas, também poderia curtir uma vida mais desnaturada.
Ele demora a dizer que já usou crack, mas acaba confessando a primeira vez:
– A mãe esqueceu uma pedra. Então, experimentei. Fiquei doido.
Na visita mais recente à família, o menino convenceu a mãe a se internar. Hoje, ambos estão na Recreo. Porém, o menino deve sair nos próximos dias:
– Não sei se não vou usar de novo. Vou ver.
"Aprendi o que é sentimento”
Aos nove anos, um dos internos do Recreo conheceu a maconha. Aos 11 anos, serviu como mula para levar 1,5kg da droga de uma cidade a outra. No mesmo ano, descobriu o crack. Filho de pai alcoólatra, ele levou a família a mudar de cidade na tentativa de livrá-lo das drogas. Foi em vão. Em poucos dias, voltou a usar e roubava para sustentar o vício. Hoje, aos 15 anos, o garoto lembra que parou de estudar aos dez anos.
– Uma vez, fumei crack e tentei ver televisão. Não deu certo. Eu olhava e não entendia nada de tão doidão que eu estava.
Falta de serviço especializado
A principal reclamação de quem lida com as crianças é a ineficácia do tratamento. Depois dos 20 dias no hospital, a criança volta para casa e, quase sempre, para o vício.
– Em um dos casos que eu atendo, o menino foi internado três vezes em dois meses – diz Salete.
Segundo a promotora da Infância e Juventude da Capital Noara Lisboa, outra dificuldade aparece após a alta. O ideal seria a criação de Centros de Atenção Psicossocial Infantil.
– O único que temos não atende a viciados. A criação de unidades assim e que prestem atendimento à família é essencial – comenta Noara.
A consequência dessa falta de sequência é avassaladora. Sem acompanhamento, a chance das crianças recaírem é imensa.
– Sem falar no aumento do número de crimes, na superlotação dos abrigos, na evasão escolar, entre outros problemas – enumera a promotora da Infância e Juventude de Viamão, Daniela da Silva.
A exceção virou regra
Para o chefe do Serviço de Psiquiatria do HPSP, Alceu Correia Filho, mandar o paciente para casa, na chamada internação domiciliar, é uma medida paliativa.
– O tratamento em casa é feito com medicamentos para controlar a impulsividade causada pela fissura – conta.
Segundo o psiquiatra, o médico deve observar se a família tem como manter a criança em casa durante o período e vigiá-la 24 horas por dia.
– O que era para ser a exceção acaba virando regra, pois não temos leitos para todos.
A campanha Crack, Nem Pensar luta pela prevenção e escolheu 20 projetos que atuam com este foco.
Saiba como ajudar:
- Em www.portalsocial.org.br, escolha um dos projetos, selecione o valor e clique em “doar agora”.
- Preencha seu cadastro ou emita boleto bancário para fazer a doação.
- Mais informações: www.cracknempensar.com.br
Aline Custódio e Carolina Rocha - DIÁRIO GAÚCHO
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sexta-feira, 21 de maio de 2010
Órfãos de suicidas
Por Maria Laura Neves
"Estava assistindo televisão e conversando ao telefone com uma amiga quando minha mãe passou por mim. Trocamos olhares, mas não nos falamos. Ela foi para o quarto e se trancou. Minutos depois, ouvi um barulho muito forte e um gemido. Chamei por ela, mas ninguém respondeu. Arrombei a porta e me deparei com minha mãe daquele jeito... caída na cama, com um tiro no peito... Num ato de desespero, tentei reanimá-la. Mas seus os olhos estavam entreabertos e as pupilas dilatadas... Eu não podia fazer mais nada. Fechei suas pálpebras e, em choque, fui procurar ajuda.” Arianne Menezes, 27 anos, é paulistana. Fisioterapeuta, ficou órfã de mãe aos 18.
“Eu tinha 13 anos e estava de férias em Botucatu, na casa do meu pai, quando acordei com os gritos da minha avó, que morava com ele. Levantei da cama e corri para ver o que tinha acontecido. Cheguei na sala e ela me impediu de avançar. Dei a volta pela cozinha e, ao chegar na varanda ... Dei de cara com o corpo do meu pai pendurado... Ele enrolou o cordão de capoeira no pescoço, na viga do telhado... e tirou os pés do chão. Se tivesse esticado as pernas teria sobrevivido... Desesperado, o abracei e tentei levantá-lo. Queria tirá-lo dali. Comecei a perguntar porque tinha feito aquilo comigo. Fiquei ao lado do corpo até a polícia chegar.” Daniel Aragão, 27, também é paulistano e professor de capoeira — a mesma profissão do seu pai.
As reticências dos depoimentos acima não são um recurso de estilo. Denotam um silêncio incômodo, uma lembrança dolorosa. Mostram a dificuldade que os filhos de suicidas têm em falar sobre a morte dos seus pais. “Faz quase 15 anos e até hoje procuro palavras para dizer como meu pai morreu”, diz Daniel. Embora as imagens do suicídio sejam recorrentes nos pensamentos desses jovens, eles dificilmente falam sobre elas. Quando o fazem, evidenciam o desconforto na linguagem corporal: franzem o cenho, tamborilam os dedos e se emocionam. “Tento lembrar da minha mãe viva, mas é inevitável. Quando penso nela, vem a imagem do seu corpo na cama. Não queria que fosse assim”, diz Arianne.
“Quando uma pessoa comete suicídio, as respostas vão com ela” — Nancy Rappaport
O trauma do suicídio é tão profundo e difícil de ser elaborado que a psiquiatra infantil americana, Nancy Rappaport, 47 anos, cuja mãe se matou quando ela tinha 4, decidiu escrever um livro sobre o assunto e transformou o próprio luto em um estudo sobre o impacto desse tipo de morte na vida dos filhos de quem o comete — In her wake (O despertar dela), lançado no fim do ano passado nos Estados Unidos, sem previsão de chegada ao Brasil. Na obra, Nancy também faz uma investigação sobre a vida da mãe. “Cresci com muitas questões: entender quem ela era, saber o quanto me amava e por que fez aquilo. Quando uma pessoa comete suicídio, as repostas vão com ela”, diz. “No meu trabalho, percebi que filhos de suicidas tinham dúvidas parecidas, que acabavam sufocadas porque ninguém falava delas. Não quero que ninguém sinta o que senti e, por isso, resolvi escrever o livro.”
As primeiras reações
“Quem vai me levar na escola, quem vai fazer o jantar, quem vai cuidar de mim quando eu estiver doente?” Essas são as primeiras perguntas que vêm à cabeça de uma criança quando recebe a notícia de que seu pai ou mãe se matou. A maneira que lidam com a informação varia com a idade. “Elas só conseguem entender que a morte é um fim irreversível entre os 10 e 12 anos. Antes disso, não concretizam essa informação”, diz a psiquiatra Alexandrina Meleiros, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. Um estudo do psicólogo americano especializado em órfãos de suicidas Albert Cain, mostra que crianças de até 6 anos reagem como qualquer outro órfão e só vão entender que seus pais tiraram a própria vida anos mais tarde.
É comum que crianças dos 7 anos em diante neguem o suicídio dos pais. Alguns chamam de mentiroso o parente que deu a notícia. Outros simplesmente não registram o que ouviram e criam suas próprias versões para a morte. “Em geral, essas crianças têm raiva de quem deu a notícia. É um mecanismo psíquico necessário para entender o que realmente aconteceu”, diz a psicóloga Maria Helena Pereira Franco, do Instituto Quatro Estações em São Paulo, especializado em luto. Quando as crianças aceitam e entendem o suicídio, costumam se sentir culpadas e abandonadas, além de terem medo de que o genitor que sobreviveu possa se matar. Costumam desenvolver um terror noturno ou ter uma regressão de comportamento. “Perdi a confiança nas pessoas depois da morte do meu pai. Se ele, que me amava, se matou, porque outros não podem fazer a mesma coisa? Me apeguei à minha mãe — o maior medo da minha vida é perdê-la”, diz Daniel.
Quem se depara com o corpo do pai ou mãe mortos costuma ficar em choque e, na sequência, sentir pavor e raiva. Depois que fechou os olhos da mãe, Arianne desceu as escadas do sobrado onde morava. “Minha primeira reação foi procurar quem estava mais perto — fui chamar meu irmão, na época com 14 anos, que estava brincando na casa de um vizinho”, diz Arianne. “Quando dei a notícia, ele ficou atônito, começou a rodar em círculos, falando sozinho.
Perguntava para si mesmo, por que, como. Ligamos para o meu pai, que veio para casa. Ele chamou os bombeiros e, quando chegaram junto com a polícia, a casa ficou aberta. De repente começaram a chegar curiosos. Uma vizinha me disse que a decoração da minha casa era bonita. Aquilo me irritou tanto que parti para cima dela, para bater mesmo. Como podia dizer aquilo num momento como aqueles? Tiveram que me segurar. Chorei um pouco quando conversei com o delegado e expliquei como tinha encontrado o corpo dela. Minha ficha demorou para cair. Não me deixaram ver mais nada, não vi levarem ela embora. Naquela noite, fui para casa de uma amiga e não preguei o olho. Passei três noites fora e só consegui dormir de exaustão dois dias depois. Não chorei mais, nem no velório, parecia que eu estava anestesiada. Não queria ir ao enterro, mas meu pai pediu para eu me despedir dela. Na hora em que ela foi enterrada, me dei conta do que tinha acontecido. Desabei, chorei copiosamente e tive que sair no meio. Não consegui ver aquilo até o final.”
Daniel conta que, momentos após encontrar o corpo do pai, deu tantos chutes em uma mureta de casa, que a destruiu. “Me perguntava por que, por quê. Com raiva, não conseguia chorar. Achava que ele tinha sido covarde. Não me lembro bem como, os parentes e amigos começaram a chegar e me pediam calma. Todo mundo estava chorando mas eu não conseguia derramar uma lágrima. Furioso, eu gritava que ele não gostava mais de mim, que sabia exatamente o que tinha feito. Eu queria tirá-lo dali, como se sem a corda no pescoço ele pudesse voltar a vida. Pedia ajuda para desamarrá-lo, mas não podíamos mexer no corpo até a polícia chegar, me pediram para esperar. Na semana que se seguiu, continuei em Botucatu — meu pai mudou para lá depois que se separou da minha mãe, quando eu tinha dez anos, para dar aulas na Unesp e eu ia visitá-lo sempre. Passava todas as férias, os feriados, na casa dele... Acompanhei o velório, o enterro, mas estava com tanta raiva que não conseguia chorar. Demorei para entender, de fato, o que tinha acontecido e colocar as emoções para fora.”
Sentimento de culpa
A mãe da psiquiatra Nancy, que deu seu nome à filha, planejou o suicídio. Depois de dar à luz seis filhos, desenvolveu uma depressão. Morreu ao tomar dezenas de soníferos. “Tive o mesmo sonho durante anos. Eu era criança e entrava no quarto de mamãe. Ela estava na cama e só eu via o vidro de pílulas ao lado dela, mais ninguém conseguia. Depois, eu saía do quarto.” O tormento que o pesadelo trazia a Nancy estava ligado ao sentimento de culpa que ela carregava. “Só fui conversar sobre o suicídio depois de adulta. Na infância, lembro do meu pai dizer que ela ficou deprimida depois que nasci. Encarei a morte dela como minha responsabilidade. ‘Se eu não tivesse nascido’, pensava, ‘ela não teria se matado’. Sem os devidos esclarecimentos, muitas crianças agem da mesma forma. Fantasiam explicações e geralmente atribuem a culpa do suicídio para si.
Os pais de Daniel e Arianne não deixaram bilhetes nem deram sinais de que algo doloroso se passava com eles. A falta de explicações e de conversa também fez com que os jovens se culpassem pela morte deles. Daniel diz que só se libertou desse sentimento no final da adolescência. “Meu pai parecia muito feliz. Deu uma festa dois dias antes de morrer, parecia animado. Naquela noite, ele chegou tarde em casa. Eu estava dormindo, mas levantei para falar com ele, que estava comendo e assistindo televisão. Quando me viu, me puxou para perto dele e abraçou. Me deu um beijo, me chamou de doutor Daniel — como gostava — e mandou voltar para cama. Passei a adolescência me penitenciando por ter acatado. Achava que se tivesse passado a noite com ele, nada teria acontecido. Me livrei desse sentimento aos 16 anos, quando ouvi uma fita cassete com uma gravação dele tocando viola e dizendo coisas bonitas. Naquele momento, me dei conta de que meu pai tinha tirado a própria vida por vontade e que eu não podia ter feito nada. Chorei muito. A partir daí, passei a chorar quase todas as vezes em que falo dele.”
Arianne também se perguntava se poderia, de alguma forma, ter desagradado a mãe, o que poderia ter feito para evitar a tragédia. “Foi um choque para nossa família. Ela e meu pai estavam planejando uma segunda lua de mel. Naquele dia, estava meio abatida, chorou. Quando percebi que ela estava meio para baixo, perguntei se estava tudo bem. Como ela respondeu que sim, não dei muita atenção”, diz. “Mas durante muito tempo me questionei se não deveria ter perguntado mais, ter ficado do lado dela naquela hora. Me perguntava qual era minha participação na tragédia e por que ela tinha feito aquilo comigo se amava tanto os filhos como dizia. Depois, me dei conta de que nunca teria a resposta.”
A vida sem eles
“Passei a me sentir solitário nos anos que se seguiram à morte do meu pai. Ficava muito quieto, fechado. A sensação que eu tinha era de ter me trancado no meu quarto e que ali era o meu mundo. Continuei indo à escola, fazendo minhas atividades. Mas quando chegava a hora da saída, pensava que ele não iria mais me buscar como já tinha feito outras vezes, quando vinha a São Paulo. Parecia que tudo tinha ficado mais difícil — lembrava dele nos momentos mais improváveis. Não tinha vontade de ir às festas do colégio, da família. Chegava a ficar uma semana sem falar com ninguém. Até hoje, mesmo nos momentos em que fico feliz, sinto uma tristeza enorme. Porque quando acontece uma coisa muito boa, eu queria que ele estivesse vivo para dividir a alegria comigo”, diz Daniel.
Para verificar como reagem os filhos de suicidas, um grupo de médicos americanos liderado pelo psiquiatra infantil David Brent comparou o comportamento deles com o de outras crianças e adolescentes que perderam os pais repentinamente, em um acidente ou de forma natural. Enquanto as taxas de depressão entre os membros dos dois últimos grupos se estabilizaram cerca de um ano e meio depois da perda dos pais, a dos filhos de suicidas continuou a subir. Para a psiquiatra Nancy, existem duas explicações para esse fenômeno. A primeira é que a depressão pode surgir por causa do sentimento de culpa e de abandono. A segunda pode ser genética. Quase 50% das pessoas que tentam se matar têm algum transtorno de humor ou de personalidade.
Crianças e adolescentes que sofrem esse tipo de trauma podem apresentar dificuldades de aprendizado, além dos transtornos emocionais, segundo a psiquiatra Alexandrina. Isso porque, no momento de tensão ou perigo, o cérebro recebe altas doses de cortisol, como parte do processo da reação de defesa. Essa superdosagem do hormônio pode lesionar o hipotálamo e gerar sequelas. “Quanto mais cedo essas crianças fizerem tratamento psicológico e psiquiátrico, maior é chance de o cérebro se reorganizar e evitar prejuízos futuros.”
Arianne diz que se sentiu forte nos meses que se seguiram à morte da mãe, até perceber que não conseguia mais manter-se concentrada. Ao sentir que o trauma havia gerado uma mudança no seu comportamento, foi procurar ajuda. “Depois do enterro, achei que tinha de ser a forte da família porque meu pai e meu irmão estavam muito abalados. Assumi papéis dela, mandava meu irmão escovar os dentes, ir para cama. Evitava pensar no que tinha acontecido. Sempre fui brincalhona e depois que ela morreu, vivi uma espécie de alegria exagerada. Via graça e brincava com tudo. Tanto que nenhum dos amigos da faculdade desconfiou do que tinha acontecido. Passei meses naquele estado de excitação até perceber que estava com um déficit de concentração. Esquecia os trabalhos e o conteúdo das aulas. Não absorvia nada, nunca terminava uma tarefa. Seis meses depois da morte da minha mãe, fui fazer terapia. Foi só aí que comecei a falar do assunto com alguém. Ajudou demais, voltei a ter centro”, diz Arianne. “Tem dias que eu não acordo bem — e geralmente é porque estou com saudades dela. Nos Natais, fico triste, uns minutos em silêncio. Mas só. Não fiquei com raiva dela. Fiquei com raiva de Deus. Se Ele realmente existia, por que tinha feito aquilo comigo?
Demorei sete anos para aceitar que tinha raiva. Depois de trabalhar esse sentimento, me dei conta de que não conseguiria viver sem acreditar em nada. Sem a crença em algo maior, minha vida perdia o sentido. Sonhei poucas vezes com minha mãe. Geralmente, ela me abraça e eu sinto a presença física mesmo. Não lembro de diálogos. Os sonhos acontecem quando estou com algum problema. Ela vem me dar conforto mesmo, sinto o toque físico dela. Inclusive, é disso que eu sinto mais falta. Tem coisas que a gente só conversa com mãe. Minha família convencional acabou. Vejo pouco meu pai e meu irmão, o que me incomoda. Parece meio careta, mas sinto falta de ter esse núcleo. Como o sofrimento foi solitário, acabamos nos tornando meio egoístas.”
Sublimação da dor
Tanto a psiquiatra Nancy como Daniel partiram para a pesquisa para descobrir quem eram seus pais. Nancy escreveu o livro. “Eu sabia pouco sobre minha mãe. Não sabia sequer qual era a cor predileta dela. Ao pesquisar com parentes, amigos e jornais da época, descobri que ela era uma líder comunitária com aspirações políticas. Tinha depressão e o fato de ter tirado a vida não significa que não me amava. Graças a esse trabalho pude ter, de alguma forma, um longo contato com ela”, diz Nancy.
“Fazer algo produtivo com a tragédia é o que nós chamamos de sublimação da dor” — Alexandrina Meleiros
Daniel, que prepara um documentário, descobriu que o pai foi um capoeirista importante, responsável por levar o esporte para o exterior. “Aos 18 anos, comecei a pesquisar. Perguntava o que ele fazia e do que gostava para amigos e parentes; pedia para me contarem histórias. Descobri que ele também era músico”, diz. “Comecei a praticar capoeira para dar continuidade ao que ele fazia.” Daniel foi divulgar o esporte na Ásia. “Fazer algo produtivo com uma tragédia é a sublimação da dor”, diz Alexandrina.
Arianne conheceu bem a mãe. “Ela era pedagoga, parou de trabalhar para cuidar da família. Era linda e super vaidosa. Fico satisfeita com os valores que ela passou. Poderia ter ficado depressiva e rancorosa com o que aconteceu, mas tenho uma profissão, me sustento e, principalmente, busco a felicidade. Penso na minha mãe todos os dias. É claro que sinto uma saudade imensa. Mas acabou apenas para ela. Eu continuo aqui.”
http://revistamarieclaire.globo.com/Revista/Common/0,,EMI140725-17737,00-ORFAOS+DE+SUICIDAS.html
"Estava assistindo televisão e conversando ao telefone com uma amiga quando minha mãe passou por mim. Trocamos olhares, mas não nos falamos. Ela foi para o quarto e se trancou. Minutos depois, ouvi um barulho muito forte e um gemido. Chamei por ela, mas ninguém respondeu. Arrombei a porta e me deparei com minha mãe daquele jeito... caída na cama, com um tiro no peito... Num ato de desespero, tentei reanimá-la. Mas seus os olhos estavam entreabertos e as pupilas dilatadas... Eu não podia fazer mais nada. Fechei suas pálpebras e, em choque, fui procurar ajuda.” Arianne Menezes, 27 anos, é paulistana. Fisioterapeuta, ficou órfã de mãe aos 18.
“Eu tinha 13 anos e estava de férias em Botucatu, na casa do meu pai, quando acordei com os gritos da minha avó, que morava com ele. Levantei da cama e corri para ver o que tinha acontecido. Cheguei na sala e ela me impediu de avançar. Dei a volta pela cozinha e, ao chegar na varanda ... Dei de cara com o corpo do meu pai pendurado... Ele enrolou o cordão de capoeira no pescoço, na viga do telhado... e tirou os pés do chão. Se tivesse esticado as pernas teria sobrevivido... Desesperado, o abracei e tentei levantá-lo. Queria tirá-lo dali. Comecei a perguntar porque tinha feito aquilo comigo. Fiquei ao lado do corpo até a polícia chegar.” Daniel Aragão, 27, também é paulistano e professor de capoeira — a mesma profissão do seu pai.
As reticências dos depoimentos acima não são um recurso de estilo. Denotam um silêncio incômodo, uma lembrança dolorosa. Mostram a dificuldade que os filhos de suicidas têm em falar sobre a morte dos seus pais. “Faz quase 15 anos e até hoje procuro palavras para dizer como meu pai morreu”, diz Daniel. Embora as imagens do suicídio sejam recorrentes nos pensamentos desses jovens, eles dificilmente falam sobre elas. Quando o fazem, evidenciam o desconforto na linguagem corporal: franzem o cenho, tamborilam os dedos e se emocionam. “Tento lembrar da minha mãe viva, mas é inevitável. Quando penso nela, vem a imagem do seu corpo na cama. Não queria que fosse assim”, diz Arianne.
“Quando uma pessoa comete suicídio, as respostas vão com ela” — Nancy Rappaport
O trauma do suicídio é tão profundo e difícil de ser elaborado que a psiquiatra infantil americana, Nancy Rappaport, 47 anos, cuja mãe se matou quando ela tinha 4, decidiu escrever um livro sobre o assunto e transformou o próprio luto em um estudo sobre o impacto desse tipo de morte na vida dos filhos de quem o comete — In her wake (O despertar dela), lançado no fim do ano passado nos Estados Unidos, sem previsão de chegada ao Brasil. Na obra, Nancy também faz uma investigação sobre a vida da mãe. “Cresci com muitas questões: entender quem ela era, saber o quanto me amava e por que fez aquilo. Quando uma pessoa comete suicídio, as repostas vão com ela”, diz. “No meu trabalho, percebi que filhos de suicidas tinham dúvidas parecidas, que acabavam sufocadas porque ninguém falava delas. Não quero que ninguém sinta o que senti e, por isso, resolvi escrever o livro.”
As primeiras reações
“Quem vai me levar na escola, quem vai fazer o jantar, quem vai cuidar de mim quando eu estiver doente?” Essas são as primeiras perguntas que vêm à cabeça de uma criança quando recebe a notícia de que seu pai ou mãe se matou. A maneira que lidam com a informação varia com a idade. “Elas só conseguem entender que a morte é um fim irreversível entre os 10 e 12 anos. Antes disso, não concretizam essa informação”, diz a psiquiatra Alexandrina Meleiros, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. Um estudo do psicólogo americano especializado em órfãos de suicidas Albert Cain, mostra que crianças de até 6 anos reagem como qualquer outro órfão e só vão entender que seus pais tiraram a própria vida anos mais tarde.
É comum que crianças dos 7 anos em diante neguem o suicídio dos pais. Alguns chamam de mentiroso o parente que deu a notícia. Outros simplesmente não registram o que ouviram e criam suas próprias versões para a morte. “Em geral, essas crianças têm raiva de quem deu a notícia. É um mecanismo psíquico necessário para entender o que realmente aconteceu”, diz a psicóloga Maria Helena Pereira Franco, do Instituto Quatro Estações em São Paulo, especializado em luto. Quando as crianças aceitam e entendem o suicídio, costumam se sentir culpadas e abandonadas, além de terem medo de que o genitor que sobreviveu possa se matar. Costumam desenvolver um terror noturno ou ter uma regressão de comportamento. “Perdi a confiança nas pessoas depois da morte do meu pai. Se ele, que me amava, se matou, porque outros não podem fazer a mesma coisa? Me apeguei à minha mãe — o maior medo da minha vida é perdê-la”, diz Daniel.
Quem se depara com o corpo do pai ou mãe mortos costuma ficar em choque e, na sequência, sentir pavor e raiva. Depois que fechou os olhos da mãe, Arianne desceu as escadas do sobrado onde morava. “Minha primeira reação foi procurar quem estava mais perto — fui chamar meu irmão, na época com 14 anos, que estava brincando na casa de um vizinho”, diz Arianne. “Quando dei a notícia, ele ficou atônito, começou a rodar em círculos, falando sozinho.
Perguntava para si mesmo, por que, como. Ligamos para o meu pai, que veio para casa. Ele chamou os bombeiros e, quando chegaram junto com a polícia, a casa ficou aberta. De repente começaram a chegar curiosos. Uma vizinha me disse que a decoração da minha casa era bonita. Aquilo me irritou tanto que parti para cima dela, para bater mesmo. Como podia dizer aquilo num momento como aqueles? Tiveram que me segurar. Chorei um pouco quando conversei com o delegado e expliquei como tinha encontrado o corpo dela. Minha ficha demorou para cair. Não me deixaram ver mais nada, não vi levarem ela embora. Naquela noite, fui para casa de uma amiga e não preguei o olho. Passei três noites fora e só consegui dormir de exaustão dois dias depois. Não chorei mais, nem no velório, parecia que eu estava anestesiada. Não queria ir ao enterro, mas meu pai pediu para eu me despedir dela. Na hora em que ela foi enterrada, me dei conta do que tinha acontecido. Desabei, chorei copiosamente e tive que sair no meio. Não consegui ver aquilo até o final.”
Daniel conta que, momentos após encontrar o corpo do pai, deu tantos chutes em uma mureta de casa, que a destruiu. “Me perguntava por que, por quê. Com raiva, não conseguia chorar. Achava que ele tinha sido covarde. Não me lembro bem como, os parentes e amigos começaram a chegar e me pediam calma. Todo mundo estava chorando mas eu não conseguia derramar uma lágrima. Furioso, eu gritava que ele não gostava mais de mim, que sabia exatamente o que tinha feito. Eu queria tirá-lo dali, como se sem a corda no pescoço ele pudesse voltar a vida. Pedia ajuda para desamarrá-lo, mas não podíamos mexer no corpo até a polícia chegar, me pediram para esperar. Na semana que se seguiu, continuei em Botucatu — meu pai mudou para lá depois que se separou da minha mãe, quando eu tinha dez anos, para dar aulas na Unesp e eu ia visitá-lo sempre. Passava todas as férias, os feriados, na casa dele... Acompanhei o velório, o enterro, mas estava com tanta raiva que não conseguia chorar. Demorei para entender, de fato, o que tinha acontecido e colocar as emoções para fora.”
Sentimento de culpa
A mãe da psiquiatra Nancy, que deu seu nome à filha, planejou o suicídio. Depois de dar à luz seis filhos, desenvolveu uma depressão. Morreu ao tomar dezenas de soníferos. “Tive o mesmo sonho durante anos. Eu era criança e entrava no quarto de mamãe. Ela estava na cama e só eu via o vidro de pílulas ao lado dela, mais ninguém conseguia. Depois, eu saía do quarto.” O tormento que o pesadelo trazia a Nancy estava ligado ao sentimento de culpa que ela carregava. “Só fui conversar sobre o suicídio depois de adulta. Na infância, lembro do meu pai dizer que ela ficou deprimida depois que nasci. Encarei a morte dela como minha responsabilidade. ‘Se eu não tivesse nascido’, pensava, ‘ela não teria se matado’. Sem os devidos esclarecimentos, muitas crianças agem da mesma forma. Fantasiam explicações e geralmente atribuem a culpa do suicídio para si.
Os pais de Daniel e Arianne não deixaram bilhetes nem deram sinais de que algo doloroso se passava com eles. A falta de explicações e de conversa também fez com que os jovens se culpassem pela morte deles. Daniel diz que só se libertou desse sentimento no final da adolescência. “Meu pai parecia muito feliz. Deu uma festa dois dias antes de morrer, parecia animado. Naquela noite, ele chegou tarde em casa. Eu estava dormindo, mas levantei para falar com ele, que estava comendo e assistindo televisão. Quando me viu, me puxou para perto dele e abraçou. Me deu um beijo, me chamou de doutor Daniel — como gostava — e mandou voltar para cama. Passei a adolescência me penitenciando por ter acatado. Achava que se tivesse passado a noite com ele, nada teria acontecido. Me livrei desse sentimento aos 16 anos, quando ouvi uma fita cassete com uma gravação dele tocando viola e dizendo coisas bonitas. Naquele momento, me dei conta de que meu pai tinha tirado a própria vida por vontade e que eu não podia ter feito nada. Chorei muito. A partir daí, passei a chorar quase todas as vezes em que falo dele.”
Arianne também se perguntava se poderia, de alguma forma, ter desagradado a mãe, o que poderia ter feito para evitar a tragédia. “Foi um choque para nossa família. Ela e meu pai estavam planejando uma segunda lua de mel. Naquele dia, estava meio abatida, chorou. Quando percebi que ela estava meio para baixo, perguntei se estava tudo bem. Como ela respondeu que sim, não dei muita atenção”, diz. “Mas durante muito tempo me questionei se não deveria ter perguntado mais, ter ficado do lado dela naquela hora. Me perguntava qual era minha participação na tragédia e por que ela tinha feito aquilo comigo se amava tanto os filhos como dizia. Depois, me dei conta de que nunca teria a resposta.”
A vida sem eles
“Passei a me sentir solitário nos anos que se seguiram à morte do meu pai. Ficava muito quieto, fechado. A sensação que eu tinha era de ter me trancado no meu quarto e que ali era o meu mundo. Continuei indo à escola, fazendo minhas atividades. Mas quando chegava a hora da saída, pensava que ele não iria mais me buscar como já tinha feito outras vezes, quando vinha a São Paulo. Parecia que tudo tinha ficado mais difícil — lembrava dele nos momentos mais improváveis. Não tinha vontade de ir às festas do colégio, da família. Chegava a ficar uma semana sem falar com ninguém. Até hoje, mesmo nos momentos em que fico feliz, sinto uma tristeza enorme. Porque quando acontece uma coisa muito boa, eu queria que ele estivesse vivo para dividir a alegria comigo”, diz Daniel.
Para verificar como reagem os filhos de suicidas, um grupo de médicos americanos liderado pelo psiquiatra infantil David Brent comparou o comportamento deles com o de outras crianças e adolescentes que perderam os pais repentinamente, em um acidente ou de forma natural. Enquanto as taxas de depressão entre os membros dos dois últimos grupos se estabilizaram cerca de um ano e meio depois da perda dos pais, a dos filhos de suicidas continuou a subir. Para a psiquiatra Nancy, existem duas explicações para esse fenômeno. A primeira é que a depressão pode surgir por causa do sentimento de culpa e de abandono. A segunda pode ser genética. Quase 50% das pessoas que tentam se matar têm algum transtorno de humor ou de personalidade.
Crianças e adolescentes que sofrem esse tipo de trauma podem apresentar dificuldades de aprendizado, além dos transtornos emocionais, segundo a psiquiatra Alexandrina. Isso porque, no momento de tensão ou perigo, o cérebro recebe altas doses de cortisol, como parte do processo da reação de defesa. Essa superdosagem do hormônio pode lesionar o hipotálamo e gerar sequelas. “Quanto mais cedo essas crianças fizerem tratamento psicológico e psiquiátrico, maior é chance de o cérebro se reorganizar e evitar prejuízos futuros.”
Arianne diz que se sentiu forte nos meses que se seguiram à morte da mãe, até perceber que não conseguia mais manter-se concentrada. Ao sentir que o trauma havia gerado uma mudança no seu comportamento, foi procurar ajuda. “Depois do enterro, achei que tinha de ser a forte da família porque meu pai e meu irmão estavam muito abalados. Assumi papéis dela, mandava meu irmão escovar os dentes, ir para cama. Evitava pensar no que tinha acontecido. Sempre fui brincalhona e depois que ela morreu, vivi uma espécie de alegria exagerada. Via graça e brincava com tudo. Tanto que nenhum dos amigos da faculdade desconfiou do que tinha acontecido. Passei meses naquele estado de excitação até perceber que estava com um déficit de concentração. Esquecia os trabalhos e o conteúdo das aulas. Não absorvia nada, nunca terminava uma tarefa. Seis meses depois da morte da minha mãe, fui fazer terapia. Foi só aí que comecei a falar do assunto com alguém. Ajudou demais, voltei a ter centro”, diz Arianne. “Tem dias que eu não acordo bem — e geralmente é porque estou com saudades dela. Nos Natais, fico triste, uns minutos em silêncio. Mas só. Não fiquei com raiva dela. Fiquei com raiva de Deus. Se Ele realmente existia, por que tinha feito aquilo comigo?
Demorei sete anos para aceitar que tinha raiva. Depois de trabalhar esse sentimento, me dei conta de que não conseguiria viver sem acreditar em nada. Sem a crença em algo maior, minha vida perdia o sentido. Sonhei poucas vezes com minha mãe. Geralmente, ela me abraça e eu sinto a presença física mesmo. Não lembro de diálogos. Os sonhos acontecem quando estou com algum problema. Ela vem me dar conforto mesmo, sinto o toque físico dela. Inclusive, é disso que eu sinto mais falta. Tem coisas que a gente só conversa com mãe. Minha família convencional acabou. Vejo pouco meu pai e meu irmão, o que me incomoda. Parece meio careta, mas sinto falta de ter esse núcleo. Como o sofrimento foi solitário, acabamos nos tornando meio egoístas.”
Sublimação da dor
Tanto a psiquiatra Nancy como Daniel partiram para a pesquisa para descobrir quem eram seus pais. Nancy escreveu o livro. “Eu sabia pouco sobre minha mãe. Não sabia sequer qual era a cor predileta dela. Ao pesquisar com parentes, amigos e jornais da época, descobri que ela era uma líder comunitária com aspirações políticas. Tinha depressão e o fato de ter tirado a vida não significa que não me amava. Graças a esse trabalho pude ter, de alguma forma, um longo contato com ela”, diz Nancy.
“Fazer algo produtivo com a tragédia é o que nós chamamos de sublimação da dor” — Alexandrina Meleiros
Daniel, que prepara um documentário, descobriu que o pai foi um capoeirista importante, responsável por levar o esporte para o exterior. “Aos 18 anos, comecei a pesquisar. Perguntava o que ele fazia e do que gostava para amigos e parentes; pedia para me contarem histórias. Descobri que ele também era músico”, diz. “Comecei a praticar capoeira para dar continuidade ao que ele fazia.” Daniel foi divulgar o esporte na Ásia. “Fazer algo produtivo com uma tragédia é a sublimação da dor”, diz Alexandrina.
Arianne conheceu bem a mãe. “Ela era pedagoga, parou de trabalhar para cuidar da família. Era linda e super vaidosa. Fico satisfeita com os valores que ela passou. Poderia ter ficado depressiva e rancorosa com o que aconteceu, mas tenho uma profissão, me sustento e, principalmente, busco a felicidade. Penso na minha mãe todos os dias. É claro que sinto uma saudade imensa. Mas acabou apenas para ela. Eu continuo aqui.”
http://revistamarieclaire.globo.com/Revista/Common/0,,EMI140725-17737,00-ORFAOS+DE+SUICIDAS.html
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Crianças e Psiquiatria Infantil,
Suicídio
sábado, 15 de maio de 2010
CINE PQ
Filme: "O Aviador"
Local: Rua Oriçanga, 141, Praça da Árvore, São Paulo - Próximo ao Metrô Praça da Árvore
Público-alvo: Enfermeiros e Graduandos de Enfermagem. Técnicos e Auxiliares de Enfermagem
Tema abordado: Transtorno Obssessivo-Compulsivo - TOC
Data: 17 de junho (5a feira) - 14h
Investimento: R$ 20,00
Carga horária: 5 horas - Certificado incluso
INFORMAÇÕES SOBRE O CURSO
Local: Rua Oriçanga, 141, Praça da Árvore, São Paulo - Próximo ao Metrô Praça da Árvore
Público-alvo: Enfermeiros e Graduandos de Enfermagem. Técnicos e Auxiliares de Enfermagem
Tema abordado: Transtorno Obssessivo-Compulsivo - TOC
Data: 17 de junho (5a feira) - 14h
Investimento: R$ 20,00
Carga horária: 5 horas - Certificado incluso
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domingo, 9 de maio de 2010
Programa de Atualização em Enfermagem Psiquiátrica
Para Enfermeiros - Início em 16/05 (Domingo) - últimas vagas!!!
INFORMAÇÕES SOBRE O CURSO
Bjs.,
Cláudia - Enfermagem Psiquiátrica
INFORMAÇÕES SOBRE O CURSO
Bjs.,
Cláudia - Enfermagem Psiquiátrica
Oneomania - Devedoras compulsivas
Outro dia falamos aqui sobre o ato compulsivo de comprar. Este mal que afeta uma parcela da população pode chegar ao estágio de doença, conhecida como oneomania. A psicóloga Tatiana Filomensky, que atua no Ambulatório de Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, trabalha com o tema há cinco anos.
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"A compra compulsiva se dá por uma questão emocional. Vivemos em um mundo consumista e o ato de comprar muitas vezes funciona como um remédio, um alívio. E como a pessoa é bem tratada ao entrar em uma loja, sente-se importante, o que não costuma acontecer no cotidiano".
Segundo Tatiana, as mulheres ainda são maioria quando o assunto é compra compulsiva por questões culturais. "A mulher sempre fica responsável pelas compras da casa e da família. Ela é que vai ao supermercado, ao shopping e compra presentes para todos os parentes. Sem contar que acaba se endividando comprando artigos que compõem sua identidade, como roupas e acessórios", comenta a psicóloga. "Entretanto, e mulher busca mais tratamento do que os homens. Ela aceita mais o fato de estar com o problema e vai em busca de soluções", ressalta.
Quem possui parentes com vícios semelhantes, seja em compras ou em bebida, por exemplo, pode sim desenvolver doenças como a oneomania. Mas é importante ressaltar que a pessoa com identidade frágil também pode adquirir o problema. "A oneomania abre portas para outros problemas ainda maiores, como depressão e ansiedade. Quando se está triste, comprar pode ser uma fuga. E se a família começa a comentar a saída de quem sofre desse mal é mentir ou esconder as sacolas de compras".
O tratamento médico e psicológico contra a oneomania no Hospital das Clínicas dura cerca de cinco meses. Como a pessoa faz pós-tratamento e terapias em grupo, o processo pode se estender por até um ano. "A terapia serve para reestruturar a pessoa emocionalmente e descobrir o que a leva a comprar descontroladamente", explica Tatiana. "O mais importante é ratificar que oneomania não é algo banal. É uma doença e tem como controlar. A compradora compulsiva sente-se mal compreendida e a família não sabe como ajudar".
Quem não busca tratamento dentro de hospitais, recorre a grupos de autoajuda. Um deles é conhecido como Devedores Anônimos. O serviço é gratuito. Para conhecer melhor basta comparecer a um dos pontos de encontro na Igreja Santa Filomena, próximo ao metrô São Bento, em São Paulo. As reuniões acontecem aos sábados, das 16h às 18h. No site há outros endereços. "Hoje as pessoas estão cada vez mais cientes e dispostas a se educar financeiramente. É um assunto sério que deveria ser abordado nas escolas", comenta a psicóloga.
Quem tem ajudado pessoas de todas as idades a usar melhor o dinheiro é o educador financeiro Reinaldo Domingos. O contador é criador do Instituto DiSOP de Educação Financeira e autor dos livros "Terapia Financeira" e "O Menino do Dinheiro", este voltado para as crianças. "Dois fatores importantes contribuem fortemente para o descontrole financeiro e o endividamento: marketing publicitário e crédito fácil. Por exemplo: uma mulher vai ao cinema com as amigas. Como o filme vai começar daqui a uma hora, aproveita para dar uma olhada nas vitrines. Ao se deparar com uma sandália caríssima, entra na loja, prova o calçado e acaba levando dois pares, parcelando a dívida em 10 vezes. Com isso, compra o que não deseja com um dinheiro que não tem, contraindo uma dívida desnecessária", declara.
Domingos explica que a reeducação financeira começa com um diagnóstico. Ele serve para identificar todos os gastos feitos pelo período de 30 dias. O próximo passo é cortar o excesso de despesas, já que entre 10 e 30% do que se gasta é supérfluo. Outra dica importante para evitar o endividamento é focar os sonhos nas coisas que realmente agregam valor. "Se a moça citada no exemplo agisse dessa maneira, não focaria sua mente naquilo que tem curiosidade, comprando dois pares de sapatos que não almejava. A partir do momento que o sonho de comprar um carro ou uma casa foi maior, não haverá riscos de endividamento", diz.
Por Juliana Falcão (MBPress)
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"A compra compulsiva se dá por uma questão emocional. Vivemos em um mundo consumista e o ato de comprar muitas vezes funciona como um remédio, um alívio. E como a pessoa é bem tratada ao entrar em uma loja, sente-se importante, o que não costuma acontecer no cotidiano".
Segundo Tatiana, as mulheres ainda são maioria quando o assunto é compra compulsiva por questões culturais. "A mulher sempre fica responsável pelas compras da casa e da família. Ela é que vai ao supermercado, ao shopping e compra presentes para todos os parentes. Sem contar que acaba se endividando comprando artigos que compõem sua identidade, como roupas e acessórios", comenta a psicóloga. "Entretanto, e mulher busca mais tratamento do que os homens. Ela aceita mais o fato de estar com o problema e vai em busca de soluções", ressalta.
Quem possui parentes com vícios semelhantes, seja em compras ou em bebida, por exemplo, pode sim desenvolver doenças como a oneomania. Mas é importante ressaltar que a pessoa com identidade frágil também pode adquirir o problema. "A oneomania abre portas para outros problemas ainda maiores, como depressão e ansiedade. Quando se está triste, comprar pode ser uma fuga. E se a família começa a comentar a saída de quem sofre desse mal é mentir ou esconder as sacolas de compras".
O tratamento médico e psicológico contra a oneomania no Hospital das Clínicas dura cerca de cinco meses. Como a pessoa faz pós-tratamento e terapias em grupo, o processo pode se estender por até um ano. "A terapia serve para reestruturar a pessoa emocionalmente e descobrir o que a leva a comprar descontroladamente", explica Tatiana. "O mais importante é ratificar que oneomania não é algo banal. É uma doença e tem como controlar. A compradora compulsiva sente-se mal compreendida e a família não sabe como ajudar".
Quem não busca tratamento dentro de hospitais, recorre a grupos de autoajuda. Um deles é conhecido como Devedores Anônimos. O serviço é gratuito. Para conhecer melhor basta comparecer a um dos pontos de encontro na Igreja Santa Filomena, próximo ao metrô São Bento, em São Paulo. As reuniões acontecem aos sábados, das 16h às 18h. No site há outros endereços. "Hoje as pessoas estão cada vez mais cientes e dispostas a se educar financeiramente. É um assunto sério que deveria ser abordado nas escolas", comenta a psicóloga.
Quem tem ajudado pessoas de todas as idades a usar melhor o dinheiro é o educador financeiro Reinaldo Domingos. O contador é criador do Instituto DiSOP de Educação Financeira e autor dos livros "Terapia Financeira" e "O Menino do Dinheiro", este voltado para as crianças. "Dois fatores importantes contribuem fortemente para o descontrole financeiro e o endividamento: marketing publicitário e crédito fácil. Por exemplo: uma mulher vai ao cinema com as amigas. Como o filme vai começar daqui a uma hora, aproveita para dar uma olhada nas vitrines. Ao se deparar com uma sandália caríssima, entra na loja, prova o calçado e acaba levando dois pares, parcelando a dívida em 10 vezes. Com isso, compra o que não deseja com um dinheiro que não tem, contraindo uma dívida desnecessária", declara.
Domingos explica que a reeducação financeira começa com um diagnóstico. Ele serve para identificar todos os gastos feitos pelo período de 30 dias. O próximo passo é cortar o excesso de despesas, já que entre 10 e 30% do que se gasta é supérfluo. Outra dica importante para evitar o endividamento é focar os sonhos nas coisas que realmente agregam valor. "Se a moça citada no exemplo agisse dessa maneira, não focaria sua mente naquilo que tem curiosidade, comprando dois pares de sapatos que não almejava. A partir do momento que o sonho de comprar um carro ou uma casa foi maior, não haverá riscos de endividamento", diz.
Por Juliana Falcão (MBPress)
segunda-feira, 3 de maio de 2010
Uso de drogas aumentam em Botucatu e região
Aumentam os problemas relacionados à saúde pública na região, por conta do aumento do consumo de drogas legais e ilegais.
Na zona rural e urbana o tabaco, álcool e o crack estão entre as drogas mais utilizadas, assim como tem aumentado os registros de apreensões de grandes quantidades de entorpecentes em cidades que até recentemente não se ouvia falar do problema.
“Em Botucatu, apenas a DISE, sem incluir as ocorrências da PM, foram apreendidas em 2009, cerca de 108 mil porções de entorpecentes, sendo aproximadamente 90 mil porções de crack e cocaína, 18 mil de maconha e 210 comprimidos de ecstasy”, informou o delegado Paulo Buchignani.
O crack apesar de ser apresentado como droga barata é muito dispendiosa ao usuário, que desembolsa cerca de R$ 15,00 por pedras de 0,3 gramas, suficientes para fumar duas ou três vezes, com efeito médio por 10 minutos.
Para enfrentar esse problema de saúde pública, as Secretarias de saúde do Município e Estado, com a Faculdade de Medicina estão desde o ano passado lutando pela instalação de um hospital para atendimento aos dependentes químicos, álcool e tabaco na cidade.
Segundo o professor José Manoel Bertolote, colaborador do Departamento de Neurologia, Psicologia e Psiquiatria da Faculdade de Medicina, está adiantada a instalação do Serviço Hospitalar de Referência, em um antigo motel, na rodovia Marechal Rondon, que atenderá pacientes das sub-regiões da DRS de Bauru, em Botucatu e Avaré.
Bertalote por 19 anos atuou na sede da Organização Mundial de Saúde, em Bruxelas. Ele explicou ao Diário como está o processo de instalação da unidade regional e a dificuldade existente para esse tratamento.
Qual a razão da demora na instalação do centro de recuperação? Aquele motel às margens da rodovia Marechal Rondon, continua em pauta?
José Manoel Bertolote - O problema da atenção aos usuários e dependentes de drogas é bastante complexo e não imagino que um centro de recuperação resolva o problema. Essa atenção deveria ser prestada em todos os níveis de assistência à saúde existente no Município com cuidados gerais, que deveria identificar os casos, tratar os de menor complexidade e encaminhar os de maior complexidade ao nível secundário e o de cuidados especializados. É o caso do Centro de Atenção Psico Social – álcool e droga, (CAPSad) em pleno funcionamento, porém com sua capacidade assistencial no limite. Os esforços para a ampliação do CAPSad e sua transformação em CAPSad-III, que prevê, além de sua função ambulatorial principal, a admissão de pacientes por breves períodos para desintoxicação, já estão avançados, porém esbarram no que parece ser um elemento prosaico, a inexistência em Botucatu de imóveis comerciais para essa finalidade. Tal serviço precisa ser instalado em região de fácil acesso, bem servido por transporte público. Em virtude das características de seus usuários potenciais, precisaria ter, no mínimo, quatro quartos separados por sexo para pacientes adultos e adolescentes, além das demais dependências necessárias para o funcionamento do serviço. Apesar dos esforços, um imóvel com essas características não foi encontrado. Em contato recente com um funcionário do Ministério da Saúde, fui informado que esse é um problema comum à maioria das cidades brasileiras de médio e pequeno porte e que dificulta sobremaneira a ampliação da rede de cuidados especializados em saúde mental.
O que teria em mais um CAPS álcool e drogas?
José Manoel Bertolote - Com o terceiro CAPSad teremos cuidados especializados ambulatoriais e internações de um a sete dias, mas faltam ainda os cuidados especializados, secundários e terciários, que implicam internações mais prolongadas. É aqui que entra o Serviço Hospitalar de Referência, para dependentes químicos, (SHR). Como o nome indica, é um serviço hospitalar para internações breves, de 7 a 28 dias, de pacientes com dependência de álcool ou outras drogas.
E como está a instalação do Serviço Hospitalar de Referência, será regional?
José Manoel Bertolote - Uma Comissão Técnica visitou um motel desativado, na rodovia Marechal Rondon, que reúne características adequadas para a instalação desse Serviço Hospitalar, dependendo apenas de alguns acertos arquitetônicos. Diante disso, foi preparado, pelo Departamento de Neurologia, Psicologia e Psiquiatria da Faculdade de Medicina, um projeto técnico para o funcionamento do Serviço, bem como as sugestões de reforma do prédio. O projeto foi entregue à Diretoria Regional de Saúde de Bauru, pois deverá atender também pacientes da sub-região de Avaré e Botucatu. Neste momento, a Engenharia da Prefeitura de Botucatu está orçando o custo das reformas. Acredito que esse projeto esteja adiantado em uma ou duas semanas teremos novidades. Esse motel é ponto fechado na Comissão.
Que tipo de funcionários seriam contratados?
José Manoel Bertolote - O Serviço Hospitalar de Referência terá um corpo clínico especializado e necessário em um serviço de internação para pacientes com esse diagnóstico: médicos clínicos e psiquiatras, pessoal de enfermagem, psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, professores de educação física e encarregados de oficinas. Todo esse pessoal deverá ser contratado por uma organização tipo OS, com fundo do Estado.
O senhor tem experiência internacional na área. Tal hospital de recuperação resolve o problema do doente químico? Dizem, muitas vezes, que o tratamento tem de ser para o doente e a família, isso é verdade?
José Manoel Bertolote - É verdade. A participação da família é essencial no processo de recuperação de dependentes. O Serviço Hospitalar não resolve todo o problema, mas é peça fundamental da rede de atenção á saúde desses pacientes. Esse serviço, ou qualquer outro, só pode tratar pessoas que queiram ser tratadas, o que é a minoria dos casos, infelizmente. Acontece mais freqüentemente é um familiar querer que a pessoa seja tratada, porém ele ou ela não aceita o tratamento. Neste casos, a equipe técnica não pode fazer nada. Por ser um serviço especializado é para tratamento de dependentes e não para simples usuários de álcool ou outras drogas.
Em Botucatu percebemos que a dependência química de drogas ilegais como crack, cocaína, maconha e anfetaminas são altas, mas os problemas com as drogas legais são maiores, como o álcool e tabaco. Menores de 15 anos já são vistos bêbados em baladas...
José Manoel Bertolote - Não só em Botucatu, mas na maior parte do mundo ocidental, o álcool e o tabaco são os verdadeiros problemas de saúde pública. As conseqüências, físicas, psíquicas e sociais, nefastas apenas do álcool são, no mínimo, dez vezes maiores e mais graves que de todas as demais drogas reunidas, com exceção do tabaco. A venda de bebidas alcoólicas a menores no “pontos de balada” atingiu tais proporções que deveria suscitar uma intervenção das autoridades sanitárias, policias e judiciais do Município.
O senhor tem idéia da dimensão da quantidade dos usuários de drogas Legais e ilegais em Botucatu ?
José Manoel Bertolote - Em 2009, o Departamento de Neurologia, Psicologia e Psiquiatria da Medicina concluiu um importante inquérito sobre o uso de drogas lícitas e ilícitas por estudantes do ensino fundamental e médio em Botucatu, nas escolas municipais, estaduais e particulares. No ensino fundamental, a média de usuários regulares de álcool foi de 39%, 4% para o tabaco e 2% para todas as demais drogas reunidas. No ensino médio, as médias foram de 73,5% para o álcool, 16% para o tabaco e 7% para todas as demais drogas reunidas. A coordenadora desse estudo foi a professora Florence Kerr-Corrêa, que realizou anteriormente outro inquérito com adultos de Botucatu e Rubião Jr, de cujos dados não disponho, no momento.
http://www.entrelinhas.com/portal/index.php?CAT=18&DET=14121
Na zona rural e urbana o tabaco, álcool e o crack estão entre as drogas mais utilizadas, assim como tem aumentado os registros de apreensões de grandes quantidades de entorpecentes em cidades que até recentemente não se ouvia falar do problema.
“Em Botucatu, apenas a DISE, sem incluir as ocorrências da PM, foram apreendidas em 2009, cerca de 108 mil porções de entorpecentes, sendo aproximadamente 90 mil porções de crack e cocaína, 18 mil de maconha e 210 comprimidos de ecstasy”, informou o delegado Paulo Buchignani.
O crack apesar de ser apresentado como droga barata é muito dispendiosa ao usuário, que desembolsa cerca de R$ 15,00 por pedras de 0,3 gramas, suficientes para fumar duas ou três vezes, com efeito médio por 10 minutos.
Para enfrentar esse problema de saúde pública, as Secretarias de saúde do Município e Estado, com a Faculdade de Medicina estão desde o ano passado lutando pela instalação de um hospital para atendimento aos dependentes químicos, álcool e tabaco na cidade.
Segundo o professor José Manoel Bertolote, colaborador do Departamento de Neurologia, Psicologia e Psiquiatria da Faculdade de Medicina, está adiantada a instalação do Serviço Hospitalar de Referência, em um antigo motel, na rodovia Marechal Rondon, que atenderá pacientes das sub-regiões da DRS de Bauru, em Botucatu e Avaré.
Bertalote por 19 anos atuou na sede da Organização Mundial de Saúde, em Bruxelas. Ele explicou ao Diário como está o processo de instalação da unidade regional e a dificuldade existente para esse tratamento.
Qual a razão da demora na instalação do centro de recuperação? Aquele motel às margens da rodovia Marechal Rondon, continua em pauta?
José Manoel Bertolote - O problema da atenção aos usuários e dependentes de drogas é bastante complexo e não imagino que um centro de recuperação resolva o problema. Essa atenção deveria ser prestada em todos os níveis de assistência à saúde existente no Município com cuidados gerais, que deveria identificar os casos, tratar os de menor complexidade e encaminhar os de maior complexidade ao nível secundário e o de cuidados especializados. É o caso do Centro de Atenção Psico Social – álcool e droga, (CAPSad) em pleno funcionamento, porém com sua capacidade assistencial no limite. Os esforços para a ampliação do CAPSad e sua transformação em CAPSad-III, que prevê, além de sua função ambulatorial principal, a admissão de pacientes por breves períodos para desintoxicação, já estão avançados, porém esbarram no que parece ser um elemento prosaico, a inexistência em Botucatu de imóveis comerciais para essa finalidade. Tal serviço precisa ser instalado em região de fácil acesso, bem servido por transporte público. Em virtude das características de seus usuários potenciais, precisaria ter, no mínimo, quatro quartos separados por sexo para pacientes adultos e adolescentes, além das demais dependências necessárias para o funcionamento do serviço. Apesar dos esforços, um imóvel com essas características não foi encontrado. Em contato recente com um funcionário do Ministério da Saúde, fui informado que esse é um problema comum à maioria das cidades brasileiras de médio e pequeno porte e que dificulta sobremaneira a ampliação da rede de cuidados especializados em saúde mental.
O que teria em mais um CAPS álcool e drogas?
José Manoel Bertolote - Com o terceiro CAPSad teremos cuidados especializados ambulatoriais e internações de um a sete dias, mas faltam ainda os cuidados especializados, secundários e terciários, que implicam internações mais prolongadas. É aqui que entra o Serviço Hospitalar de Referência, para dependentes químicos, (SHR). Como o nome indica, é um serviço hospitalar para internações breves, de 7 a 28 dias, de pacientes com dependência de álcool ou outras drogas.
E como está a instalação do Serviço Hospitalar de Referência, será regional?
José Manoel Bertolote - Uma Comissão Técnica visitou um motel desativado, na rodovia Marechal Rondon, que reúne características adequadas para a instalação desse Serviço Hospitalar, dependendo apenas de alguns acertos arquitetônicos. Diante disso, foi preparado, pelo Departamento de Neurologia, Psicologia e Psiquiatria da Faculdade de Medicina, um projeto técnico para o funcionamento do Serviço, bem como as sugestões de reforma do prédio. O projeto foi entregue à Diretoria Regional de Saúde de Bauru, pois deverá atender também pacientes da sub-região de Avaré e Botucatu. Neste momento, a Engenharia da Prefeitura de Botucatu está orçando o custo das reformas. Acredito que esse projeto esteja adiantado em uma ou duas semanas teremos novidades. Esse motel é ponto fechado na Comissão.
Que tipo de funcionários seriam contratados?
José Manoel Bertolote - O Serviço Hospitalar de Referência terá um corpo clínico especializado e necessário em um serviço de internação para pacientes com esse diagnóstico: médicos clínicos e psiquiatras, pessoal de enfermagem, psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, professores de educação física e encarregados de oficinas. Todo esse pessoal deverá ser contratado por uma organização tipo OS, com fundo do Estado.
O senhor tem experiência internacional na área. Tal hospital de recuperação resolve o problema do doente químico? Dizem, muitas vezes, que o tratamento tem de ser para o doente e a família, isso é verdade?
José Manoel Bertolote - É verdade. A participação da família é essencial no processo de recuperação de dependentes. O Serviço Hospitalar não resolve todo o problema, mas é peça fundamental da rede de atenção á saúde desses pacientes. Esse serviço, ou qualquer outro, só pode tratar pessoas que queiram ser tratadas, o que é a minoria dos casos, infelizmente. Acontece mais freqüentemente é um familiar querer que a pessoa seja tratada, porém ele ou ela não aceita o tratamento. Neste casos, a equipe técnica não pode fazer nada. Por ser um serviço especializado é para tratamento de dependentes e não para simples usuários de álcool ou outras drogas.
Em Botucatu percebemos que a dependência química de drogas ilegais como crack, cocaína, maconha e anfetaminas são altas, mas os problemas com as drogas legais são maiores, como o álcool e tabaco. Menores de 15 anos já são vistos bêbados em baladas...
José Manoel Bertolote - Não só em Botucatu, mas na maior parte do mundo ocidental, o álcool e o tabaco são os verdadeiros problemas de saúde pública. As conseqüências, físicas, psíquicas e sociais, nefastas apenas do álcool são, no mínimo, dez vezes maiores e mais graves que de todas as demais drogas reunidas, com exceção do tabaco. A venda de bebidas alcoólicas a menores no “pontos de balada” atingiu tais proporções que deveria suscitar uma intervenção das autoridades sanitárias, policias e judiciais do Município.
O senhor tem idéia da dimensão da quantidade dos usuários de drogas Legais e ilegais em Botucatu ?
José Manoel Bertolote - Em 2009, o Departamento de Neurologia, Psicologia e Psiquiatria da Medicina concluiu um importante inquérito sobre o uso de drogas lícitas e ilícitas por estudantes do ensino fundamental e médio em Botucatu, nas escolas municipais, estaduais e particulares. No ensino fundamental, a média de usuários regulares de álcool foi de 39%, 4% para o tabaco e 2% para todas as demais drogas reunidas. No ensino médio, as médias foram de 73,5% para o álcool, 16% para o tabaco e 7% para todas as demais drogas reunidas. A coordenadora desse estudo foi a professora Florence Kerr-Corrêa, que realizou anteriormente outro inquérito com adultos de Botucatu e Rubião Jr, de cujos dados não disponho, no momento.
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A dose certa para cada paciente
Um tipo de exame genético foi desenvolvido como projeto de pesquisa no Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital de Clínicas da Universidade de São Paulo. Por meio de uma amostra de sangue, o teste rastreia a ação de enzimas que ajudam no metabolismo de medicamentos. Existem três tipos de metabolizadores: os normais, os ultrarrápidos e os lentos.
– Uma pequena porção da população metaboliza muito rápido os medicamentos, tão rápido que não dá tempo de o remédio fazer efeito. São aquelas pessoas que dizem “doutor, o remédio não adiantou nada, é como se estivesse tomando água”. Não teve efeito terapêutico e nem colateral – explica o psiquiatra Wagner Gattaz, presidente do IPq e coordenador do projeto de farmacogenética.
No IPq, o estudo começou com base na observação de pacientes que eram medicados e não melhoravam. Foi o caso de Luana, 16 anos (o nome foi preservado a pedido do médico), diagnosticada com Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) muito grave desde os 10 anos. A jovem passava de quatro a cinco horas tomando banho porque tinha que passar por um ritual diário de higienização e, quando achava que tinha cometido algum erro, recomeçava a limpeza.
Durante cinco anos, a paciente havia feito tratamentos e não respondeu a nenhum medicamento. O médico desconfiou que ela fosse uma metabolizadora ultrarrápida e a submeteu ao exame. O resultado confirmou a suspeita clínica e o tratamento foi modificado com segurança.
O teste metabólico é oferecido em poucos locais no Brasil. Na USP, pelo menos 400 pessoas já fizeram o exame. Na universidade, o pedido feito diretamente pelo paciente não é aceito.
http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a2889503.xml&template=3898.dwt&edition=14605§ion=1028
– Uma pequena porção da população metaboliza muito rápido os medicamentos, tão rápido que não dá tempo de o remédio fazer efeito. São aquelas pessoas que dizem “doutor, o remédio não adiantou nada, é como se estivesse tomando água”. Não teve efeito terapêutico e nem colateral – explica o psiquiatra Wagner Gattaz, presidente do IPq e coordenador do projeto de farmacogenética.
No IPq, o estudo começou com base na observação de pacientes que eram medicados e não melhoravam. Foi o caso de Luana, 16 anos (o nome foi preservado a pedido do médico), diagnosticada com Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) muito grave desde os 10 anos. A jovem passava de quatro a cinco horas tomando banho porque tinha que passar por um ritual diário de higienização e, quando achava que tinha cometido algum erro, recomeçava a limpeza.
Durante cinco anos, a paciente havia feito tratamentos e não respondeu a nenhum medicamento. O médico desconfiou que ela fosse uma metabolizadora ultrarrápida e a submeteu ao exame. O resultado confirmou a suspeita clínica e o tratamento foi modificado com segurança.
O teste metabólico é oferecido em poucos locais no Brasil. Na USP, pelo menos 400 pessoas já fizeram o exame. Na universidade, o pedido feito diretamente pelo paciente não é aceito.
http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a2889503.xml&template=3898.dwt&edition=14605§ion=1028
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