A reorientação da política de assistência aos portadores de Transtornos Mentais em nosso País (Reforma Psiquiátrica) é o resultado de intensas lutas do movimento social aliado aos profissionais da Saúde Mental brasileiros durante as duas últimas décadas.
Excluídos da felicidade por seus dolorosos padecimentos psíquicos e também pela visível desvantagem social que suportam, esses cidadãos sem voz penavam nos manicômios, sem nenhuma perspectiva.
De 1968, quando ocorreu o surgimento do INPS, até a concepção do SUS em 1988, o Brasil criou e financiou por meio do INAMPS a terceirização da assistência psiquiátrica.
Mediante a contratação de vagas para internação, ‘Clínicas de Repouso’ e hospitais privados proliferaram em todo território nacional, chegando a aproximadamente 100.000 leitos, configurando o que se convencionou chamar de ‘indústria da loucura’.
A reformulação da assistência psiquiátrica foi legitimada por meio da Lei Federal Nº. 10.216/2001 que determina a substituição dos anacrônicos e superlotados hospitais psiquiátricos – redutos de recorrentes e amplamente divulgadas violações aos direitos humanos – por uma rede de serviços humanizados e modernos visando a reabilitação e a reinserção social dessas pessoas.
A desconstrução do imenso parque manicomial (ou diria galeria de horrores) da assistência psiquiátrica brasileira, contrariou interesses, os mais variados, que viram suas instâncias de poder, de lucro ou ambas, despencarem diante do desejo da sociedade e da decisão do Poder Público em conferir dignidade e alternativas aos portadores de Transtornos Mentais.
Esses fatos são determinantes para a compreensão, com pesar, do que estamos presenciando de modo especial nesta última semana, frente a mais uma tentativa de setores da Psiquiatria do nosso País – abrigados na Associação Brasileira de Psiquiatra (ABP) – que buscam confundir a opinião pública mediante ações na Procuradoria Geral da República, na mídia e junto à intelectualidade brasileira.
Após uma década de extenuante trabalho temos hoje um tipo de assistência não mais baseada na internação sem limite com pacientes desnudos vagando em corredores de miséria e promiscuidade.
Hoje temos uma forma de assistência baseada em serviços diversificados articulados, ainda em expansão, compreendendo 1.400 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS); 530 Residências Terapêuticas; 862 Ambulatórios de Saúde Mental; 3.200 pacientes egressos de longas internações que são assistidos pelo Programa ‘De Volta pra Casa’; 36.797 leitos para internação em hospitais psiquiátricos sem contar os leitos para internação nos Hospitais Gerais, além de muitas ações como a integração com Universidades para a formação de recursos humanos, a Saúde Mental vinculada às Equipes do Programa de Saúde da Família e a Política de Redução de Danos para Álcool e Drogas.
Além disso, a ABP não pode se dizer excluída das discussões sobre o modelo assistencial na medida em que está presente nos Grupos de Trabalho desenvolvidos pela Área Técnica de Saúde Mental do Ministério da Saúde sobre Autismo; Saúde Mental nos Hospitais Gerais; Comitê assessor de álcool e outras drogas; Estratégias de prevenção ao suicídio e a Reorientação da Residência Médica em Psiquiatria.
Na qualidade de filiado à Associação Brasileira de Psiquiatria não posso ficar omisso, colaborando com o esquecimento nacional, diante das informações deturpadas, verdadeiras falácias, que têm sido veiculadas sob um manto de ‘compaixão’ e ‘verdade científica’.
Se de fato o que se deseja é oferecer ao paciente psiquiátrico o bem estar e oportunidades, indago onde estavam as vozes que hoje se manifestam contra a humanização do modelo assistencial enquanto os pacientes psiquiátricos eram confinados e aviltados em sua decência?
Onde está a Ética?
*Augusto Cesar de Farias Costa: Médico-Psiquiatra; Psicoterapeuta; Vice-Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria Cultural
http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2009/04/19/a-etica-a-psiquiatria-brasileira-178609.asp
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