domingo, 8 de abril de 2012

Quem foi Nise da Silveira?

Psiquiatra e Psicoterapeuta alagoana (15/2/1905-30/10/1999). Pioneira no uso da pintura, escultura e modelagem nos tratamentos psiquiátricos no país, cria o Museu de Imagens do Inconsciente, em 1952, com o mais original acervo de obras de arte produzidas por psicopatas.
Nascida em Maceió, forma-se em medicina na Bahia em 1926, mudando-se em seguida para o Rio de Janeiro, onde ingressa, por concurso, no Serviço de Assistência a Psicopatas e Profilaxia. Trabalha como residente no Instituto de Neurologia Deolindo Couto e depois se transfere para o Centro Psiquiátrico Pedro II. Denunciada em 1936 como simpatizante do Partido Comunista, passa 16 meses na prisão.

Libertada, volta ao Pedro II e rejeita as agressivas terapias psiquiátricas ali utilizadas até então. Dirige a Seção de Terapêutica Ocupacional e Reabilitação, orientada pelas teses do psicanalista Carl Gustav Jung, a quem conheceu pessoalmente em 1957. Em 1956 funda a Casa das Palmeiras, clínica para o tratamento em regime aberto de pacientes psiquiátricos.

Ao utilizar a pintura, a escultura, a modelagem e a carpintaria, descobre que, mesmo quando a personalidade do paciente se desintegra, ele mantém em seu psiquismo um estímulo para a produção de imagens. Sua terapia humanizadora ainda inclui o convívio dos doentes com cães e gatos, provando que a afetividade não é anulada pelo problema mental.

Publica, entre outros trabalhos, uma biografia de Jung, o ensaio Imagem, Ação, Afeto e o livro Imagens do Inconsciente. Em 1998, aos 93 anos, lança a obra Gatos, A Emoção de Lidar, sobre seus animais preferidos. Morre de insuficiência respiratória no Rio de Janeiro.


Mais sobre Nise da Silveira:

Vale a pena!

NISE DA SILVEIRA – SENHORA DAS IMAGENS, a peça estende até 26 de abril suas apresentações no Teatro Eva Herz (Avenida Paulista 2.073, Livraria Cultura | Conjunto Nacional).

Fone bilheteria: 11 3170-4059 Site: www.teatroevaherz.com.br  e www.ingresso.com 

Ingresso: R$50,00. Meia-entrada para estudantes, idosos, professores da rede pública de ensino e portadores de necessidades especiais

Horário de atendimento da bilheteria: de Terça a sábado: das 14h às 21h e domingos: das 12h às 19h

sábado, 7 de abril de 2012

Curso - Psicofarmacologia para profissionais não-médicos

Reencarnação e Psicoterapia: como abordar eticamente as crenças espirituais dos pacientes que buscam psicoterapia?

Segundo Data Folha 37% das pessoas no Brasil acreditam em reencarnação e conforme World Values Survey esta crença é professada por grande parte da população mundial, que naturalmente podem procurar psicoterapia
 
A crença na reencarnação – envolve um ciclo contínuo de aprendizado e evolução através das vidas sucessivas – é encontrada ao longo da história humana em diferentes épocas e culturas. Deste ponto de vista, as dificuldades são transitórias e podem ser superadas quando suas lições que as adversidades trazem são absorvidas.
 
O psicólogo clínico e doutor em Neurociência e Comportamento pela USP, Julio Peres, publicou há dois dias o artigo “Should psychotherapy consider reincarnation?" no Journal of Nervous and Mental Disease (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22297317). “Há um crescente reconhecimento da necessidade de se levar em conta o ambiente cultural e os sistemas de crenças dos pacientes na psicoterapia. Respeitar as opiniões e realidades subjetivas do paciente é uma necessidade terapêutica e um dever ético, mesmo que os profissionais não compartilhem das mesmas crenças”, explica.
 
Em todo o mundo há um grande número de pessoas que crêem na reencarnação. Segundo dados do World Values Survey, tal crença é professada por 22,6% da população nos países nórdicos, 27% na Europa Ocidental, 20,2% na Europa Oriental; já nos Estados Unidos o número chega a 27% (Gallup, 2003) e no Brasil a 37% (Data Folha, 2007). Parte importante da cultura, as crenças religiosas têm papel importante na formação de juízos e no processamento de informações, auxiliando muitas pessoas a organizarem ou compreenderem eventos dolorosos, caóticos e imprevisíveis que podem gerar sintomas diversos como Fobias Específicas e Transtorno de Estresse Pós-Traumático.
 
A inclusão de “problemas religiosos ou espirituais” como categoria diagnóstica no DSM-IV (American Psychiatric Association, 1994) reconhece que os temas religiosos e espirituais podem ser foco da consulta psiquiátrica/psicológica. “Estar confortável para abordar com o paciente temas sobre espiritualidade e religiosidade como a reencarnação é o primeiro de uma série de passos para que o processo terapêutico siga as diretrizes éticas”, postula o psicólogo clínico.
 
“A integração da crença reencarnacionista durante a psicoterapia requer profissionalismo, conhecimento e capacidade de alinhar as informações coletadas sobre os valores do paciente para o benefício do seu processo terapêutico. Questionamentos como psicólogos e psiquiatras devem discutir reencarnação com seus pacientes?, quais são os limites profissionais quando temas religiosos e/ou espirituais são trazidos? foram esclarecidos”, afirma Julio Peres.
 
Recentemente um artigo no The New York Times (Lisa Miller) afirmou que o interesse na reencarnação está em ascensão, e os responsáveis pela divulgação não são monges ou teólogos, mas terapeutas. “Esta notícia nos indica uma abertura terapêutica saudável, mas também uma preocupação com ‘falsos-terapeutas’ que não possuem um treinamento clínico adequado para conduzir a psicoterapia”, ressalta Julio Peres. “Atribuir significados aos sintomas de ansiedade, desajuste, fobia específica ou estresse pós-traumático, alinhados aos conteúdo de supostas vidas passadas – se essa for a crença do paciente – podem favorecer a atenuação ou libertação dos sintomas.”
 
As práticas religiosas que envolvem a reencarnação, por exemplo, desempenham um papel ativo no desenvolvimento de mecanismos saudáveis de enfrentamento por refugiados tibetanos. Não tão distante, uma engenheira de 38 anos e mãe de três filhos, se sentia incapaz de se relacionar com um deles. “Ela não conseguia expressar afeto e evitava o contato com essa criança, sem compreender as causas deste distanciamento. Por acreditar na reencarnação e no fato que ‘somos um pai ou um filho nesta vida por alguma razão’, buscou algumas abordagens psicoterápicas até sentir que sua crença em relação à reencarnação era aceita. Ao sentir confortável para expor suas dificuldades com seu filho relacionando-as com o que acreditava, a paciente conseguiu se ouvir, gerar novos comportamentos e um equilíbrio na relação com o filho durante o processo terapêutico”, exemplifica Julio Peres. “Porém, para que isso acontecesse foi preciso entender a relação entre os sintomas apresentados por ela, as crenças na reencarnação e o significado da evolução espiritual para a paciente.”
 
O Conselho Federal de Psicologia (CFP), em nota pública sobre Psicologia e religiosidade no exercício profissional à sociedade e aos psicólogos, esclarece que “Não existe oposição entre Psicologia e religiosidade, pelo contrário, a Psicologia é uma ciência que reconhece que a religiosidade e a fé estão presentes na cultura e participam na constituição da dimensão subjetiva de cada um de nós.” 

Portanto, assim como qualquer pessoa pode procurar tratamento psicológico alinhado aos seus valores e crenças, a reencarnação deve ser levada em conta pelos psicoterapeutas, que devem procurar formação adequada em abordagens coerentes e eficazes sem misticismo ou práticas divinatórias. “As informações obtidas na psicoterapia devem ser sobre o que os pacientes acreditam, o que exige conhecimento de estratégias objetivas para otimizar o enfrentamento das dificuldades com base neste sistema de crenças”, ressalta Julio Peres, psicólogo clínico e doutor em Neurociência e Comportamento pela USP. O artigo “Should psychotherapy consider reincarnation?" é a primeira publicação científica sobre a interface equilibrada entre reencarnação e psicoterapia, que também oferece contribuições ponderadas em tópicos que discutem os riscos e as contraindicações.

DANIELLE FLÖTER

Julio Peres
 
Psicólogo clínico e Doutor em Neurociências e Comportamento pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Fez Pós-doutorado no Center for Spirituality and the Mind, University of Pennsylvania e na Radiologia Clínica - Diagnóstico de Imagem pela UNIFESP. Autor de estudos que investigaram os efeitos neurobiológicos da psicoterapia através da neuroimagem funcional (Psychological Medicine 2007 e Journal of Psychiatric Research 2011). Pesquisador do Programa de Saúde, Espiritualidade e Religiosidade (PROSER) do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo e Professor Titular de Psicotraumatologia Clínica do Hospital Pérola Byington. Autor de artigos científicos sobre psicoterapia, trauma psicológico, espiritualidade/religiosidade, reencarnação, resiliência, superação e dos livros "Trauma e Superação: o que a Psicologia, a Neurociência e a Espiritualidade ensinam" editora ROCA (www.julioperes.com.br), e "Neuroimaging for Clinicians: Combining Research and Practice" Ed. InTech (http://www.intechweb.org/books/show/title/neuroimaging-for-clinicians-combining-research-and-practice).

Ayahuasca provoca visões “realistas

Em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, 10 veteranos frequentadores do Santo Daime se reúnem para tomar Ayahuasca em grupo, como fazem há anos. Normalmente, eles usam a droga alucinógena em rituais religiosos, com cânticos e louvações. A bebida, feita a partir da mistura de um cipó e das folhas de um arbusto amazônico, produz um efeito alucinógeno e costuma causar visões e experiências místicas em seus usuários. O ritual tem origem indígena – a bebida era consumida pelos povos da floresta em cerimônias desde tempos ancestrais. 


Só que, desta vez, o ritual não tem nada de ancestral. Eles estão em um laboratório científico. Ao invés das músicas, o único barulho na sala vem de uma máquina de ressonância magnética, onde os usuários são colocados antes e depois de ingerir a bebida. Enquanto sentem sua percepção se alterar e começam a ter alucinações, um grupo de cientistas analisa imagens que representam as áreas de seu cérebro. Eles notam que a droga ativa o córtex visual primário, localizado no lobo occipital, área que tem papel fundamental para a visão. Para a surpresa dos pesquisadores, essa área ficou tão ativa quando o participante encarou fotografias quanto no momento em que ele ingeriu o Ayahuasca, fechou os olhos e teve visões. A imagem também mostrou o funcionamento de áreas ligadas à recuperação de memórias biográficas e à imaginação de futuros eventos. “Ao aumentar a intensidade das imagens lembradas ao mesmo nível da percepção visual, o Ayahuasca dá status de realidade a experiências internas”, diz Draulio de Araújo, pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, responsável pelo estudo. Veja a entrevista completa que a GALILEU fez com o pesquisador:

Como você teve acesso ao Ayahuasca usado na pesquisa? Outros cientistas também conseguiriam ter acesso à droga? 
Antes de ter acesso à Ayahuasca para a realização de qualquer pesquisa, é necessário que se tenha aprovação por algum comitê de ética em pesquisa (CEP). No nosso caso, o projeto foi aprovado pelo CEP do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto. Uma vez tendo essa aprovação, pode-se buscar parceria com igrejas que fazem uso do Chá, como a do Santo Daime, a União do Vegetal ou a Barquinha. Há alguns grupos realizando pesquisa com a Ayahuasca no Brasil, como, por exemplo, na USP de Ribeirão Preto, a Universidade Federal do São Paulo (UNIFESP), a Universidade Federal do Ceará, a Universidade Federal de Pernambuco e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Você concorda com a classificação do Ayahuasca como droga alucinógena? 
A Ayahuasca pode ser classificada como uma droga, sim, usando o entendimento de que ela contém substâncias químicas que alteram os mecanismos de neurotransmissão cerebral de forma direta. Baseado na mesma definição, também podemos incluir nesse conjunto o tabaco, o álcool, o café, e o chocolate. Como qualquer outra substância psicoativa, há algumas considerações importantes a serem feitas na avaliação dos riscos associados ao seu uso. A primeira diz respeito ao seu poder de dependência química. No caso da Ayahuasca, que age sobre o sistema serotonérgico, não há comprovação científica sobre a eventual dependência química causada pelo seu uso. O segundo, as alterações sobre o sistema nervoso autonômico. No caso da Ayahuasca, há evidências que as mudanças de pressão arterial, frequência cardíaca e respiratória, além da temperatura do corpo, permanecem dentro de limites considerados normais. Por outro lado, sabe-se que é importante evitar o uso da Ayahuasca nos casos em que o indivíduo esteja fazendo uso de medicamentos que alteram os níveis de serotonina, como é o caso de alguns anti-depressivos que estão baseados na inibição seletiva de recaptação de serotonina, por exemplo, o PROZAC.

Como foi feito o teste?

Realizamos duas sessões de imagem funcional por ressonância magnética (uma antes e outra após a ingestão de aproximadamente 200 ml de Ayahuasca) em 10 indivíduos experientes no uso do chá. A pergunta central desse primeiro estudo estava na compreensão da potencialização da geração de imagens mentais pelo uso da Ayahuasca. Durante as duas sessões os indivíduos permaneciam dentro de um equipamento hospitalar de imagem por ressonância magnética. Os dados desse primeiro experimento estão publicados na revista Human Brain Mapping.

Quanto aos resultados da pesquisa, o que significa o fato de as imagens mentais serem percebidas na mesma área cerebral que processa as imagens visuais? É isso que torna as visões tão realistas?

Esse é o tipo de especulação que pode ser feita: que a realidade das imagens geradas mentalmente seja a mesma das percebidas pela modulação do sistema visual. Porém, o nosso estudo não fornece elementos suficientes para garantir essa relação.

A atividade de áreas cerebrais relacionadas à memória pode explicar porque muitas dessas visões são tão significativas para os usuários do Ayahuasca?

Mais uma vez, essa é uma possível especulação, que o nosso trabalho não fornece elementos de garantia necessários. Uma frase do nosso artigo que traduz todas essas perspectivas é: “As visões induzidas pela Ayahuasca têm sido usadas tradicionalmente em contextos religiosos para dar acesso um mundo interno muito significativo. Nossos resultados indicam que essas visões vêm da ativação de uma rede de áreas cerebrais envolvidas com a visão, a memória e a intenção. Ao aumentar a intensidade das imagens relembradas ao mesmo nível da visão, o Ayahuasca dá um status de realidade a experiências internas. A partir disso, é possível entender por que o Ayahuasca foi selecionado culturalmente ao longo dos séculos pelos xamãs das florestas para facilitar revelações místicas de natureza visual.” 
Antes de sua pesquisa ser feita, qual era o nível das pesquisas brasileiras estudando o Ayahusca? 
Estudos com Ayahuasca no Brasil vêm sendo conduzidos há muito tempo, envolvendo principalmente aspectos farmacológicos e antropológicos do seu uso. Boa parte desses estudos deram contribuições significativas para a compreensão mais geral sobre a Ayahuasca e foram conduzidos em parcerias importantes com outros grupos no exterior. O nosso grupo tem abordagem que agrega técnicas da neurociência, em especial a imagem funcional por ressonância magnética. Outros estudos, envolvendo outras técnicas, como por exemplo a Eletroencefalografia, já haviam sido conduzidos, por pesquisadores de Florianópolis em conjunto com pesquisadores americanos.

O que o estudo dos efeitos de uma droga pode nos ensinar?

Esse estudo em particular pode ter várias implicações, além de ampliar a compreensão do nosso cérebro. Por exemplo, há bastante tempo temos argumentos e indícios de que a compreensão da consciência como um todo passa necessariamente por estudos envolvendo estados alterados de consciência.
por Guilherme Rosa