domingo, 11 de setembro de 2011

Reforma faz 10 anos, mas manicômios judiciários não mudaram

Psiquiatras, Poder Judiciário, ONGs e até o governo federal reconhecem sérios problemas nos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP) do Brasil, os antigos manicômios judiciários, que na prática, nestes 10 anos da reforma psquiátrica, só mudaram de nome. Estes locais abrigam doentes mentais que cumprem medidas de segurança por incapacidade de entender o crime que cometeram.

Os problemas têm sido identificados há anos em visitas do Conselho Nacional e Justiça (CNJ), relatórios do Ministério da Saúde e da Associação Brasileira de Psiquiatria, além de denúncias feitas por ex-funcionários desses HCTPs e ONGs que militam em defesa dos diretos humanos.

Denúncias mais graves foram feitas recentemente contra o HCTP de Franco da Rocha, na região metropolitana de São Paulo, onde sete pacientes fugiram cavando um buraco no final de semana passado. Segundo relataram ao Terra ex-funcionários e integrantes de entidades de defesa dos direitos humanos, os internos estariam sendo submetidos a um regime de presídio, com torturas, e supressão do tratamento psiquiátrico.

"Eles não são presos. Foram absolvidos pela Justiça, são pacientes que precisam de cuidados, assim como crianças menores de 12 anos de idade", diz o ex-coordenador de Saúde do Sistema Penitenciário paulista, integrante da ONG Tortura Nunca Mais e conselheiro do Movimento Nacional de Direitos Humanos, Paulo Sampaio.

Mutirões carcerários promovidos pelo CNJ identificaram que, em Salvador, 88 dos 156 internos aguardavam laudo de insanidade mental. Para sensibilizar as autoridades sobre as condições do hospital, o HCTP baiano foi cenário de um filme chamado A Casa dos Mortos. Na unidade de Itamaracá (PE), uma paciente esperava julgamento há 12 anos.
Segundo estudo da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) sobre os HCTPs, estes locais são confusos e sem uma política que direcione o tratamento dos pacientes. "Constatamos que nesses últimos oito anos nenhuma medida eficaz foi tomada para a melhora desse triste panorama nacional. A simples mudança do nome Manicômio Judiciário para Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico em nada transformou a realidade precária na qual se transitam os doentes mentais no limite da total desassistência", diz trecho do relatório da associação publicado em 2010.

Entre as observações constatadas em todas as oito unidades visitadas (SP, AM, RS, BA, PA, RJ e DF), as instalações não atendiam as necessidades mínimas para o tratamento, misturando um cenário de punição com tratamento. A falta de médicos era tamanha, que em 2010, perícias já estavam sendo agendadas para 2015. Quando recebiam alta, os pacientes não recebiam suporte do Sistema Único de Saúde (SUS) e acabavam voltando para os HCTPs. Segundo a ABP, isso ensejava "hipóteses de descaso e/ou falta de preparo técnico por parte dos gestores responsáveis pelo setor junto ao poder público".

Os dados mais recentes do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) apontam que 4.250 pessoas cumprem medidas de segurança de tratamento e internação no sistema penitenciário nos 33 HCTPs espalhados pelo Brasil. São 881 leitos psiquiátricos disponíveis em todos os presídios brasileiros. De acordo com os números, 198 psiquiatras são responsáveis pelo atendimento não só dos internos do HCTP, mas dos 496,2 mil detentos abrigados nas prisões brasileiras.

Estudos do Ministério da Saúde atribuem os problemas à resistência da rede de saúde mental, do SUS, das famílias, e dos órgãos de Justiça, que sugerem a reinternação, mesmo quando não ocorre reincidência.

Denúncias

Paulo Sampaio diz que pediu exoneração da coordenação de Saúde do Sistema Penitenciário de São Paulo porque a Secretaria de Administração Penitenciária paulista (SAP) promove opressão, tortura, espancamentos nos HCTPs de Taubaté e Franco da Rocha."A pressão está muito grande contra os pacientes. São pessoas que foram absolvidas pelo crime cometido porque são doentes. Só que o sistema penitenciário de São Paulo não os está tratando como doentes, estão torturando, pressionando, afastando da família, e isso criou um clima de tensão. Há mais de 20 anos não víamos isso", denuncia.

Ele acusa a SAP de colocar agentes penitenciários para dirigir os HCTPs, o que fez com que o tratamento e o programa de saída progressiva fossem extintos no Franco da Rocha. "O secretário colocou para dirigir dois hospitais de custódia, dois agentes penitenciários, que não possuem conhecimento de tratamento mental", acusa.
Sampaio diz que já encaminhou à corregedoria de Justiça do Estado de São Paulo denúncias sobre maus tratos e abusos sexuais, mas nada foi feito. A corte informou que os processos são sigilosos, por isso não pôde dar informações sobre o andamento dos mesmos.

A SAP disse que as circunstâncias da fuga em Franco da Rocha estão sendo apuradas e que ocorreram mudanças na direção da instituição em julho deste ano após verificação sobre como eram conduzidos os trabalhos na unidade, que estariam em desacordo com as normas vigentes. "Foram implantadas, portanto, mudanças no sentido de propiciar melhorias nos atendimentos aos pacientes, preservando suas integridades físicas e mentais".

Segundo a SAP, a nova diretoria e os psicólogos, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais apresentaram novas propostas para implantar "diversas atividades laborais", para atingir um número maior de pacientes e prepará-los para o retorno social, conforme as necessidades de cada um deles.

A secretaria afirma ainda que o servidor que ocupa o cargo de direção tem formação em "Psicologia Clínica, Psicologia Institucional, Grupo Terapêutico e Equipe Multidisciplinar, bem como Transtornos Mentais e possui todos os predicativos necessários para assumir a direção da unidade e desempenhar um importante trabalho com os sentenciados que precisam de acompanhemento psiquiátrico".

Contatada pelo Terra, a Defensoria Pública de São Paulo informou que não recebeu nenhuma denúncia, nem possui investigações sobre casos como os relatados em Franco da Rocha.

Já o Ministério da Saúde informa que instaurou uma força-tarefa para avaliar o funcionamento dos 201 hospitais psiquiátricos que atendem pelo SUS, cujo relatório deve ser elaborado em novembro.

Daniel Favero

http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI5324923-EI306,00-Reforma+faz+anos+mas+manicomios+judiciarios+nao+mudaram.html

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Consumo de antidepressivos cresce 49% em 4 anos

Entre janeiro e junho de 2011, foram comercializadas no Brasil 34,6 milhões de unidades farmacêuticas contra depressão e outros transtornos de humor, um aumento de 49,1% comparado às 23,2 milhões de cápsulas vendidas no mesmo período de 2007.

A evolução da venda deste tipo de medicamento no País foi registrada ano a ano, conforme levantamento feito, a pedido do iG Saúde, pela empresa de consultoria farmacêutica IMS Health Brasil.

Para os especialistas, o gráfico em ascensão reflete dois fenômenos, um positivo e outro negativo. Ao mesmo tempo em que revela maior acesso dos pacientes às medicações que previnem e tratam uma das doenças mais incapacitantes do mundo, conforme classifica a Organização Mundial de Saúde (OMS), também pode mostrar um uso indiscriminado dos remédios, composto por automedicação e usuários dependentes.

"A população com mais renda também consome mais medicações", explica o professor do departamento de ansiedade da Universidade de São Paulo e médico da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Márcio Bernik.

"Além disso, estes tipos de remédio ficaram mais seguros dos anos 80 para cá, com menos efeitos colaterais o que também ampliou o acesso. Isso criou, em algumas classes terapêuticas, bolhas de uso inadequado."

Dois lados

A escritora Cátia Soares, 51 anos, e a dona-de-casa Isaura (que prefere não ter o nome completo divulgado), de 60 anos, são os dois lados da moeda do uso de antidepressivos e medicações para os mais de 40 tipos de transtornos de humor descritos pela Psiquiatria.

A primeira, que faz tratamento medicamentoso contínuo desde os 37 anos com acompanhamento do psiquiatra, afirma que as pílulas foram a sua salvação.
"Não me tornei um robô por causa delas e hoje só consigo viver com o auxílio dos medicamentos, como os usados para diabetes ou hipertensão", acredita Cátia (leia o depoimento).

Já a dona-de-casa compara sua situação "a uma prisão". Não foi o profissional de saúde que receitou os comprimidos usados por ela todas as noites para tentar dormir e controlar a ansiedade.

"Uso o remédio que toda a minha família usa", confessa. O efeito na indução da sonolência é cada vez menor e desde que passou a sofrer os efeitos da menopausa - há 20 anos - ela faz uma alquimia caseira para tentar combater os sintomas que vão de tristeza profunda a angústia e dificuldade no sono.

Máscara

O comportamento descrito pela dona-de-casa é assistido cotidianamente pela neurologista Andréa Bacelar, vice-presidente da Academia Brasileira do Sono. "Nos consultórios, os pacientes que chegam não dormem direito há mais de cinco anos, em média, e relatam uso de polimedicamentos no período", diz.

"O tratamento deles é mais complicado porque exige a prescrição de drogas para tratar a dependência de alguns remédios, outras para sanar os efeitos colaterais e também é preciso traçar um plano individual para tentar combater na raiz a dificuldade para dormir."

Assim como os antidepressivos, o consumo de drogas usadas para insônia também está em ascensão. O levantamento feito pela IMS Health Brasil mostra que em quatro anos, a comercialização de hipnóticos e sedativos teve alta de 3,6 milhões de doses vendidas por mês, saindo de 11 milhões em junho de 2007 para atuais 14,6 milhões em 2011.

Para Andrea Bacelar, o uso indiscriminado ou por conta própria dos remédios pode mascarar outras doenças ligadas à insônia, como a própria depressão. Na lista também podem estar fibromialgia, problemas respiratórios como asma, DPOC e apneia obstrutiva do sono, e até obesidade e sedentarismo.

O médico do Instituto do Sono da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Luciano Ribeiro, acrescenta: para que as estatísticas de vendas deste tipo de medicação mensurem somente efeitos positivos é preciso conscientização tanto dos usuários quanto dos profissionais de saúde.

Médicos traficantes

As mudanças de paradigmas são lentas e não dependem só dos pacientes", acredita Luciano Ribeiro. "É claro que é preciso coibir os usuários que têm acesso aos medicamentos por vias ilícitas, mas muitas pessoas que tomam os remédios indiscriminadamente fazem com aval dos médicos."

Segundo o neurologista, estes profissionais de saúde têm a postura semelhante a de traficantes, já que abastecem com receitas indiscriminadas e sem critérios pessoas que são dependentes das drogas.

"É preciso alertar para a prescrição oficial indiscriminada. Isso também precisa mudar."
O último relatório do Sistema Nacional de Informações sobre Intoxicações (Sinitox), departamento ligado à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mostra mesmo que as drogas vendidas com o propósito de curar ou amenizar sintomas podem provocar um número de efeitos colaterais ainda maior do que as drogas ilícitas.

Divulgado no início do ano, o relatório mostra que durante o ano de 2009 foram acumulados 26 mil registros de intoxicação por medicamentos. O uso abusivo de maconha, cocaína e outras somou 6,7 mil casos.

http://www.midianews.com.br/?pg=noticias&cat=7&idnot=61493